Maria Antonia e os lados da rua: vamos atravessá-la?

Maria Antonia é a pessoa abençoada que deu à luz a esse ser iluminado Jailson. Essa história espetacular não só de goleiro do meu time. Mas de gente boa que transcende clubismo. Esse cara que quase todo mundo torce para vencer na vida.

Maria Antonia é a rua paulistana que simbolizou no final dos anos 60 a divisão entre os lados do mundo. À esquerda no sentido viário quem era mais à direita na noção (ou falta dela) política da turma do Mackenzie. À direita do trânsito a patota mais à esquerda na ideologia (ou excesso dela) da USP.

Ali teve um enfrentamento a paus e pedras e bombas e tiros em 2 de outubro de 1968. Um Derby ideológico. Um Fla-Flu político. Um jogo duro, brusco e pesado. Um morto.

Sem tomar partido em 1968 (embora eu seja mais da turma que andava pela calçada da USP), sem apenas um olhar (embora eu veja a minha grama e a do vizinho mais verdes), sou mesmo do tipo que não atravesso a rua para não cumprimentar alguém. Faço o contrário. Procuro estender a mão para tentar entender a cabeça. O coração é incompreensível. É outra coisa.

Quando vejo a mãe de Jailson na Globo torcendo mezzo pelo filho palmeirense de berço e meio pelo Corinthians como ela sempre foi inteira, ao lado da filha também alvinegra, eu torço ainda mais pelo Jailsão da massa. Qualquer massa.

Mas quando eu leio e escuto que tem muita gente que torce pelo time do Jailson e distorce o sentimento da mãe que o ama antes de ele nascer, e também ama o Corinthians do mesmo modo e ao mesmo tempo, eu só posso lamentar.

Compreendo quem fica bravo. Entendo quem acha que ela não precisaria ter se exposto e, por tabela, o filho.

Mas este é o mundo que vivemos. Conectado virtual. Mas sem conexão com a realidade.

Milhões de vezes no Brasil e no mundo pais torceram pelo mesmo sangue como Maria Antonia e contra o time do coração. Outras tantas viraram casaca. E é também compreensível que assim seja. Qualquer que seja o sentimento que só sabe quem tem.

Só não pode a talibancada condenar Jailson pela mãe. Só não pode a intolerância cobrar da mãe a torcida. Só não podemos exigir anonimato num mundo em que as fraturas expostas e as farturas escondidas se confundem.

PS: Eu só tenho dois amores incondicionais: minha família e meu time.