Mauro Beting: ‘A jornada da volta bicampeã’
Eu tinha que voltar voando pra São Paulo depois da final da Libertadores no Rio. Tinha Ceará x Athletico para comentar na TNT, no dia seguinte. Meu voo sairia de Santos Dumont na hora do almoço do domingo. Tinha que sair na hora certa. Como o gol do Breno Lopes.
Na euforia da celebração, um amigo de credo liga dizendo ba noite de sábado que estava tão feliz que queria voltar pra abraçar a família em São Paulo. Que alugaria um carro pra voltar de madrugada.
Fui junto.
Passando por Volta Redonda da querida família Barud. A mesma que celebrou o título brasileiro em 2012 do Fluminense do Daniel. Quando o Palmeiras, voltando do empate lá mesmo contra o Flamengo, soube na mesma estrada que estava rebaixado com o empate da Lusa no Canindé, pelo BR-12.
Naquela mesma hora eu estava no Mesa Redonda da Gazeta. Tentando explicar o que quem é dispensa. Quem não é…
Foi uma semana antes do AVC que levaria meu pai em novembro de 2012. Foi ali que achei que os netos dele demorariam ainda mais para rever algo de Palmeiras mesmo.
E viram a Copa do Brasil de 2015. O enea. O deca. O SP-20 quando não viram muita coisa de bom. E não imaginavam chegar até a glória eterna no Maracanã com aquele futebol.
Eram os meus filhos que eu queria abraçar naquela madrugada campeã de 2021.
Passamos por Barra Mansa. Quatis. Terra do Jajá de Barra Mansa. Jair Rosa Pinto. Craque das cinco coroas de 1950-51. Comandante da conquista da Copa Rio 70 anos antes. Craque que já estava no Santos no Supercampeonato paulista de 1959.
Quanta história naquela geografia.
Mais uma cidade que nossa caravana percorreu como o Trem de Prata levou dias para trazer de volta os campeões de 1951.
Passando Barra Mansa meu amigo de carona contou a pesada dele: chorando ele disse que não esperava tanta alegria depois de tanto sofrimento nos últimos meses. Pelo primo que perdeu pra Covid em novembro. Pelo melhor amigo, duas semanas antes. E pela mulher que se perdeu numa aventura amorosa nos últimos anos. Ele dizia que só o Palmeiras para dar alegria e esperança a ele depois que soube que o outro amor da vida dele o traía como o Palmeiras da fila de 16 anos (quando ele conheceu a mulher). Como o Palmeiras de 2002 pouco antes de eles casarem. Como o Palmeiras de 2012 pouco depois da filha mais velha nascer.
Amor incondicional que ele tem pelo time e por ela. Mesmo amor que superou quedas e rebaixamentos e que o ajudou a juntar os próprios cacos da relação quebrada e agora contada. “Por favor, Maurão, só não diga quem eu sou. Mas conte a minha história e a nossa jornada de volta a São Paulo”.
Aqui estou. Como estaríamos 4h42 quando passamos e posamos na frente do Allianz Parque campeão da América.
Ela não queria se separar do meu amigo. Só queria um novo amor. De fato, um velho relacionamento que “mexe com ela”. Ele jamais queria isso. Mas ainda menos perder o outro amor. Mãe dos dois amores que eles criaram.
Todos palmeirenses em casa. E também palmeirense o amante dela.
Ele soube disso quando descobriu a infidelidade. Ele que sempre se disse “leal” – porque “fiel” ele não diz ser. Ele que não quis comentar até os casos em que ela foi também desleal e desrespeitosa com ele. Com os filhos deles durante a pandemia.
Meu amigo de carona chegou a se confortar na semifinal exasperante contra o River: “se for para ser eliminado, que o outro também seja!”. Mas o Palmeiras é maior do que isso. “Eu não vou largar”.
E celebrou chorando como eu o gol de Breno Lopes.
“Juro que voltei a lembrar no palmeirense que teve caso com minha mulher. E juro que se eu o visse no Maracanã iria o abraçar. Porque no fundo eu e ele temos dois amores na vida. Um que é nosso e de milhões. Outro que só pode ser meu”.
Não falei nada. Segui dirigindo. Mesmo desgovernado pela dor amiga.
Lembrei o vídeo que meu amigo Gustavo Theodoro me mandou na véspera. Do filho que perdeu a mãe de 63 anos pela Covid. Ela que acreditava no título antes mesmo do duelo contra o Delfín. Ela que veio em sonho para ele para dizer que o gol do título seria do Rony.
Não foi. Mas o passe foi.
Passei em silêncio por Roseira. Terra do craque-bandeira santista Zito, amigo e colega querido que o futebol me deu.
Aumentei o som pelo silêncio do meu amigo pensando na mulher que ele queria abraçar. Tocou “Wish You Were Here”. Pink Floyd. Eu pensei no meu primo Calabar. Ele estava com o Dudu Cecchini celebrando por São Paulo. O neto do diretor do Palmeiras em 1951.
Falamos e choramos ao telefone. E eu esqueci de dar os parabéns ao meu primo pelo 30 de janeiro de 1970.
Era aniversário dele.
51 anos.
Isso. 51.
Quando ele fez 10 anos, em 1980, Biro-Biro chutou de canela uma bola que deu a vitória ao Corinthians que melara o SP-79 e saiu beneficiado com o adiamento da semifinal. O Palmeiras de Telê que ganhara os três turnos nem para a final do Paulistão foi. Mas os 4 a 1 no Maracanã pelo BR-79, um mês antes, eliminaram o Flamengo e levaram Telê para a Seleção.
Naquele 30 de janeiro de 1980 eu chorei como jamais choraria de tanta tristeza pelo Palmeiras. Nem em 2002 foi assim.
No 30 de janeiro de 2021 eu chorei de emoção no gol de Breno Lopes como jamais havia chorado em 30 anos como jornalista esportivo. Ou mesmo na mesma data 41 anos antes.
Na mesma meta onde Liminha marcou o gol que valeu a Copa Rio 70 anos depois. Liminha que no mesmo 30 de janeiro (em 1930) nasceu.
Há 91 anos.
Meu carona ficou calado ouvindo música. Comentou que tinha adorado a programação da JB FM do Rio, no programa “Celebration”. Clássicos da discothèque na frequência 99,9.
99 no Dial. 99 da primeira Libertadores.
Passava das 3 e meia e não havia sono. Mas silêncio dele.
Lágrimas que ele não conseguiu conter.
“Desculpe, Mauro… Mas eu me emociono mesmo. E te juro que aquele cara só tem uma coisa boa: o amor que ele tem pelo Palmeiras”.
Eu não falei nada. Como no gol de Breno, apenas os olhos derreteram. O Palmeiras era a única vitória em meses de derrota dele. Toa inesperada quanto.
Até porque quase chegando na Ayrton Senna lembrei de outro amigo querido que o jornalismo esportivo me deu: Serginho Chulapa. Hoje vice da América pelo bravo Santos. Naquela semifinal do SP-78, disputada no meio de 1979, ele subiu de costas pelo São Paulo e meio que de nuca fez na prorrogação o gol que eliminou o Palmeiras para a final do Paulistão que seria vencido pelos Meninos da Vila.
Meu pai dirigia o Dodge Dart ligado na Jovem Pan onde hoje eu trabalho. Quando o Silvério narrou o gol, eu esmurrei o vidro de passageiro atrás do meu pai. Chorei um pouco. Mal imaginando a fila que só acabaria em 12 de junho de 1993. Aquela que o Zinho de pé direito… Zinho com quem celebrei na saída do Maracanã o bi da Libertadores. No vídeo que você pode ver toda a história no meu Instagram. A de 1999 com o pai dele. A de 2021 com ele mesmo.
Eu não conseguia acudir minha carona. Pensei em 1979 naquele gol aleatório. De novo na canelada do Biro-Biro em janeiro de 1980. O gol de Sócrates na semifinal de 1983. O doping do Mário Sérgio que nos custou o SP-84. O XV de Jaú de 1985. Inter de Limeira de 1986. Bragantino do Luxa em 1989. Ferroviária em 1990. Regulamento em 1991. O timaço rival em 1992.
Até 1993. 1994 outra vez. O 1996 brilhante. Dois canecos em 1998. A América em 1999. Rio-São Paulo de novo. Marcão de velho na Liberta de 2000. Aí 2002 e…
De novo?
2012 campeão e rebaixado. Só o Palmeiras.
2014 na trave. 2015 tá lá dentro, Costi!
Voltamos a ser Palmeiras. Voltamos ao Maracanã. Voltamos.
E eu voltando de madrugada pros meus amores. E meu carona chorando pelo Palmeiras dele e da mulher que ele sempre sonhou. Como a reconquista da América. Como a reconquista dela.
“Eu sou o Breno Lopes. Ela não dava mais nada por mim. Mas eu vou reconquistá-la!”
Até onde sei foi um lindo domingo de amor dele. Depois de um maravilhoso sábado de Palmeiras.
Para todos que são Palmeiras. Até os que não merecerem ser.
Para o meu companheiro de viagem. Para o meu Calabar. E pro Giannini filho do seu Angiolo. O que levantou outro Ruffino lá no céu.
Mas essa é outra história.
Ou a de sempre.
Para outra volta pra casa com muito amor. E todo o Palmeiras da América.
Como já foi dito, a jornada vale mais quebro destino final. Até porque o nosso destino é o velho Palestra.
Aquele que até pode nos trair.
Mas a gente sempre será leal.
Amor incondicional é isso.