Não perdoo, Baroninho – Por André Falavigna

 

Baroninho foi campeão da Libertadores e Mundial pelo Flamengo, em 1981. Não era tão ruim. Teve bons momentos no Palmeiras, como ajudou o meio-campo no 4-2-3-1 de Telê, em 1979.

 

Deixa o Baroninho bater!

 

ESCREVE André Falavigna

 

 

Duas dificuldades. Uma, mais engraçada: como um sábio já expôs de maneira exata, antes, que explicar o que é ser palmeirense a quem não o seja é impossível, ao passo que explicar o mesmo a quem o seja é inútil, a gente, hoje, sempre corre o risco de passar vergonha quando tenta vencer a dificuldade restante e mais poderosa: a do desejo irresistível de sair por aí explicando o que é – seja lá o que isso for – ser palmeirense.

 

Sobra-nos ilustrar a coisa. Um jeito de fazê-lo é falar do jogo que, ora bolas, ilustra nosso palmeirismo. Há muitos. Vontade de narrar, ainda mais. 1974, 1993. Nacionais de todo o tamanho e nome. 1999. E 1951, que os ignorantes ou infiéis teimam em ignorar ou descrer. Mas isso tudo, acho, não é ilustrativo. O Palmeiras é tão cheio de glórias que tentar desenhá-lo pelo rastro delas seria tão ingênuo e desonesto quanto arriscar diminuí-lo destacando, a esmo, qualquer de suas inumeráveis desgraças.

 

Vou de 1982. Derrota típica da Década Perdida. Morumbi, Juventus, terça-feira à tarde de feriado, dois gols do avante Ticão, cujo titular era Ilo – 9 da minha seleção de botão e maior artilheiro de todos os tempos enormes de minha infância, mas que fora suspenso. Dia da Criança. Pior ainda, no dia em que estreei na bancada. Presentão.

 

Chuva, feriado, o Morumbi era a geladeira que é. Público à Javari. Entretanto, entre os gols de Ticão – um aos dez do segunda etapa, outro com nossa alma encomendada – viveu a esperança fantasmagórica que é um dos pilares da vitória e que aumenta quando surge – e apareceu – uma faltinha ordinária ali na intermediária. Afinal, havia Baroninho.

E Baroninho batia forte, às vezes bem, e frequentemente na Lua.

 

Meu pai detestava o volante Rocha, que viera do Bota, e tinha jogado pela Seleção do Telê; metido a bater falta. A favor do velho: ninguém nunca entendeu a pretensão. Nem Rocha que, se algum dia chutou a gol, foi sem querer. Em pânico, o homem enorme que crescera vendo Rosa Pinto, Romeiro e Rodrigues, ergueu-se para saltar fileiras e urrar, profeta furioso, o vaticínio tresloucado:

 

“DEIXA O BARONINHO BATER! SAI, ROCHA (aqui surgiram termos mui conhecidos, todavia irreproduzíveis)! SAI, ROCHA! DEIXA O BARONINHO BATER!”

 

Rocha saiu, deixou Baroninho bater e a bola quicou, mascada pelo demônio, dali até a lateral, junto à bandeirinha de escanteio, para se despedir sob as gargalhadas que fizeram a nós – meu pai e seus filhos – nos despedirmos daquele cemitério.

 

E foi ali, no caminho de volta, que entendi essa coisa que não se pode explicar: que tinha virado palmeirense para sempre.

 

 

ESCREVEU André Falavigna