Não se sabe bem o que vem pela frente

Foto: Cesar Greco/Ag. Palmeiras

  • Por Marco Sirangelo

1996 foi um ano chave para a parceria Palmeiras-Parmalat. Iniciada em 1992 e com previsão para durar oito anos, a cogestão, como era chamada, já estava consolidada como um caso de sucesso, graças aos grandes craques que vestiram verde e branco durante as conquistas entre 1993 e 1994. Vanderlei Luxemburgo retornava ao clube e montaria um time inesquecível, o melhor Palmeiras desde os tempos de Academia. O histórico título paulista é relembrado até hoje, assim como a dura e inesperada derrota na final da Copa do Brasil. No segundo semestre, após as saídas de peças importantes como Amaral, Flávio Conceição, Rivaldo e Müller, o time decepcionou e foi eliminado nas quartas de final do Campeonato Brasileiro.

Desta maneira, apesar das conquistas nacionais e do futebol bem jogado, o Palmeiras iniciava a metade final de sua ambiciosa parceria sem cumprir um objetivo claro traçado pela multinacional italiana – vencer a Copa Libertadores. Grandes esforços, portanto, seriam voltados para a conquista continental, a começar por uma mudança na composição do time, considerado vistoso demais para a catimbada competição. Dois meses antes de levantar seu primeiro Campeonato Brasileiro e finalizar o vitorioso ciclo no comando do Grêmio, Luiz Felipe Scolari já havia assumido um compromisso para treinar o Jubilo Iwata, da então emergente liga japonesa. Apesar de forte insistência da Parmalat para contar com seus serviços, Felipão iniciaria 1997 na Ásia.

Frustrados, os dirigentes palmeirenses voltaram seus esforços para a contratação de Telê Santana, bicampeão mundial com o São Paulo anos antes. Confirmado em janeiro de 1997, Telê não conseguiu assumir o clube por conta de problemas de saúde, e teve o vínculo rescindido a pedido de seu filho em abril. Após um primeiro semestre ruim, com direito a goleadas sofridas diante de Corinthians e São Paulo, a Parmalat finalmente conseguiria tirar Scolari do Japão, que afirmou, em sua apresentação oficial no dia 2 de junho, “Jogando feio e ganhando, tudo fica lindo”. De fato, tudo foi lindo.

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Foto: Evelson de Freitas/FolhaPress

A conquista da Libertadores de 1999 foi sofrida, mas consagrou Scolari e marcou toda uma nova geração de palmeirenses, unindo ídolos do primeiro período da Parmalat, como Zinho, César Sampaio e Evair, aos novos símbolos como Marcos, Alex e Paulo Nunes. Apesar dos anos de bonança técnica, foi na raça que o clube conseguiu atingir seu principal objetivo.

Vinte anos depois, o cenário é parecido. Há dinheiro, conquistas nacionais recentes e ambição pela taça continental. Administrativamente o clube faz um bom trabalho, com indicativos de que será possível manter-se em destaque no cenário nacional por um bom tempo. A ressalva está, como sempre, em seu aspecto político. Atual presidente, Maurício Galiotte tomou uma decisão extremamente questionável do ponto de vista gerencial ao realizar o pagamento integral da dívida com seu antecessor e desafeto Paulo Nobre sete anos antes do prazo mínimo de pagamento estipulado.

Com recursos corrigidos apenas pelo CDI, a obrigação com o fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC) de Nobre era a dívida que toda empresa gostaria de ter, tendo como garantia a destinação de até 10% do faturamento bruto do clube durante um período entre dez e quinze anos. Adiantar esse pagamento reduziu poder de investimento do Palmeiras, fora que dívidas mais custosas, como por exemplo impostos e débitos operacionais com clubes e atletas, poderiam ter sido priorizadas. Para piorar, os recursos anteriormente doados pela patrocinadora para aquisição de jogadores passaram a ser considerados dívida, constando no balanço do clube, mas sem que informações a respeito dos custos e prazos de pagamento fossem bem divulgadas.

Sob o comando de Alexandre Mattos, o departamento de futebol do clube é o que mais investe há tempos entre os clubes brasileiros. Segundo análise realizada pelo Itaú BBA, apenas nos últimos 4 anos foram direcionados R$ 557 milhões em contratação de jogadores para o elenco profissional. O custo do futebol palmeirense também é bastante acima dos demais. De acordo com estudo da consultoria Ernst & Young, o futebol do clube custou 35% (quase R$ 150 milhões em números absolutos) a mais do que o do Corinthians, segundo no ranking no último ano de 2018.

É inegável o sucesso dentro de campo, com dois títulos e um vice-campeonato do Brasileirão, torneio que o clube não vencia desde 1994, nos últimos três anos, além da memorável Copa do Brasil de 2015. Porém, os seguidos fracassos na Libertadores, o excesso de contratações e, principalmente, a baixa qualidade de futebol apresentado colocam em xeque o trabalho de Mattos. Tido como moderno, o dirigente ainda não completou um ano sem demitir um treinador, prática antiga e que, no mínimo, representa fragilidade no planejamento da temporada.

Além disso, também houve considerável crescimento nos investimentos nas categorias de base, que atingiram R$ 102 milhões desde 2015. Diferentemente de clubes como Santos, São Paulo e Fluminense, o Palmeiras nunca foi reconhecido como bom revelador de talentos. A situação parece estar se modificando graças a um trabalho sólido realizado pelo clube, comprovado pelos 64 títulos conquistados a partir de 2014, incluindo o Mundial de Clubes Sub-17, o Brasileiro Sub-20 e as Copas do Brasil Sub-20 e Sub-17. Desde a categoria sub-11 até a sub-20, 31 atletas do Palmeiras serviram a seleção brasileira apenas em 2018.

Porém, não existe previsão para que esses jovens ganhem espaço no elenco principal, ficando restritos aos times juvenis, ou, na melhor das hipóteses, a empréstimos e vendas. A política de contratações desenfreada de Alexandre Mattos, aliado ao pouco incentivo dado tanto pela comissão técnica, quanto pelo presidente Galiotte para que jovens talentos ganhem espaço faz com que o time perca uma boa oportunidade de lançar novos jogadores.

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Embora se trate do treinador mais importante da história do clube, com Scolari o Palmeiras vive de resultados e seu futebol ora sobe, ora desce. Foto: Cesar Greco/Ag. Palmeiras/Divulgação.

Dentro de campo, Scolari permanece fiel ao estilo que o tornou imensamente vitorioso, sem que o jogo essencialmente ofensivo seja prioridade. Não é absurdo dizer que se trata do mais importante treinador da história do Palmeiras, aquele que obteve sucesso ao desafiar a identidade histórica do clube e acrescentando a ela doses cavalares de carisma e suor. Porém, a crescente preocupação com a estética do jogo que permeia as grandes ligas europeias há um tempo e que finalmente parece ter chegado ao Brasil, parece caminhar para exigências além do resultadismo puro, algo que provavelmente (e infelizmente) Scolari não é mais capaz de entregar.

Para o início de 2020, o Palmeiras deveria priorizar um esquema que, embora mais arriscado, potencializasse a qualidade ofensiva de seus jogadores, além de fazer mais uso efetivo de sua categoria de base. Seria uma ruptura contrária, mas igualmente necessária, àquela ocorrida no fim de 1996. As tentativas frustradas com Eduardo Baptista e Roger Machado tiveram em comum a pouca experiência ao lado desses comandantes, de modo que, assim como Flamengo e Santos encontraram nas figuras de Jorge Jesus e Jorge Sampaoli, um nome de mais peso se faz necessário.

Quanto a Scolari, é obrigação do clube tratá-lo como merece, seja com um busto, ou com qualquer outro símbolo que o eternize na forma que estatuto do clube permita. Já a diretoria deveria procurar combater o claro sentimento de antipatia associado ao clube, como bem levantou Walter Casagrande e corroborado com as frequentes associações entre o Palmeiras e o presidente Bolsonaro, o Ministério Público e a Polícia Militar, além de maus tratos óbvios aos torcedores visitantes. A começar por melhorar a relação entre clube e seus próprios torcedores, cada vez menos pacientes, e enjaulados dentro do arbitrário cerco em volta da Rua Palestra Itália.