Mauro Beting: ‘Não tem nada ganho e jamais terá tudo perdido’
Um desabafo de um palmeirense que não acreditava que o time chegaria tão longe nesta temporada
Meu pai não conseguia mais assistir aos jogos do Palmeiras. Desde as Vias Lácteas estreladas pela Parmalat a partir de 1993 era assim. Ele não tinha mais coração, fígado, complexo de Golgi para suportar um arremesso lateral do adversário.
O clássico contra o melhor time da década na América na semifinal da Libertadores de 2020, e na casa dos caras, seria daqueles confrontos pra ele não dormir já na véspera. E na hora do jogo repetir o ritual não como superstição – mas superação do pavor palestrino que tinha: ele não conseguia ver o Palmeiras. Muito menos ouvir. E ainda interpretar o que ouvia.
Meu pai tinha teses para os fogos de artifícios de celebração de gols: “isso é rojão de corintiano!”; “esse é dos nossos”; e por aí ele ia. Interpretando o que ouvia enquanto escutava música clássica.
Nessa terça-feira ele não veria e tentaria não ouvir nada.
Só no final da partida em Avellaneda meu Babbo tiraria o fone do ouvido, deixaria Mozart de lado (não o ex-volante), e ligaria para alguém da família. (De fato, filhos, netos e sobrinhos já estariam ligando antes pra ele).
Mas se por acaso meu pai conseguisse perguntar quanto havia sido o placar e uma voz “neutra” dissesse “3 a 0”, ele iria emendar: “é… Fomos mesmo longe demais…”; “o River é ótimo”; “o Palmeiras ainda está em formação e jogar três torneios pesa demais”; “no Allianz a gente pelo menos dá uma coça nos gringos”.
Não, Babbo. Foi 3 a 0 mesmo pra nós. Numa de nossas melhores partidas no século. Numa das piores do River com Gallardo. Tudo isso deu nesse placar histórico. Ainda não definitivo – como nada é. A não ser o nosso time. Mesmo quando a gente não acredita nele. Por mais inacreditável que seja a gente duvidar da nossa gente e do nosso gene.
Agora, meu pai e todos os pais da família Palmeiras, é botar a cabeça no lugar, os pés no chão, se ajoelhar como Abel no vestiário e gritar “avanti, Palestra!”. E colocar Mozart ou Mc Kevinho ou Stones ou Restart na orelha no jogo de volta para não ter volta pro River.
Não tem nada ganho ainda. Mas jamais terá tudo perdido no Palmeiras.
Palavra de um palmeirense que não imaginava que o Palmeiras iria tão longe nesta temporada.