#NPeloMundo: Nosso Palestra entrevista Abel Ferreira em Portugal; confira

Treinador do Palmeiras concedeu uma coletiva presencial na cidade de Braga, na qual abordou o trabalho no Verdão, variação entre Brasil e Portugal, condecorações e mais

Abel Ferreira veio passar as férias em Portugal no dia 12 de março e, mesmo sem trabalhar, o treinador do Palmeiras concedeu diversas entrevistas exclusivas, concedidas a distância, aos meios de comunicação do Brasil. Em sua terra natal, o português, junto de sua assessoria, optou por uma estratégia diferente e, com isso, uma coletiva presencial foi organizada, com a participação do NOSSO PALESTRA, que foi a única mídia brasileira no local.

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Com um representante em terras lusitanas desde agosto de 2020, esta foi a primeira participação internacional do NP, que, após sair de Lisboa e pegar quatro horas de estrada, chegou em Braga, no norte do país, onde está situada a concessionária que sediou o evento, mesclando a paixão do treinador pelo futebol e pelos motores.

A entrevista estava marcada para as 11h (GMT), mas iniciou-se apenas por volta das 12h, após Abel Ferreira terminar a exclusiva que concedia a uma televisão portuguesa. Com isso, todos os jornalistas que estavam presentes organizaram-se no espaço, instalando as câmeras e microfones e o técnico, antes de qualquer pergunta, agradeceu a presença de todos e enfatizou o desejo por um “futebol positivo”.

– Só agradecer a presença de todos e pedir desculpas por algumas ‘negas’ que eu dei. Eu entendo o vosso lado, como jornalistas, mas eu, como treinador, não gosto de dar entrevistas que não sejam direcionadas para aquilo que tem a ver com a competição. Estou extremamente grato e nunca vou conseguir retribuir ao futebol aquilo que ele me deu e uma das minhas missões enquanto treinador é promover o futebol positivo e valorizar o esporte. Sei que vocês (jornalistas) podem olhar pra mim e valorizar as coisas boas, ou as coisas más. Eu, enquanto jogador, gostei sempre de olhar para os títulos que valorizavam uma mensagem positiva.

Logo no início, Abel Ferreira respondeu ao questionamento do NP, acerca do seu gosto pela psicologia no esporte, e afirmou que o slogan “todos somos um” é um pensamento que leva em sua vida pessoal.

– O Covid é isso: todos somos um. Não existe outra forma de pensar neste problema social. É um slogan que eu trouxe para o futebol, mas é um slogan da minha vida pessoal. Eu dependo da minha mulher, da minha família, dos meus amigos, de vocês. Nas minhas primeiras conquistas, como jogador ou treinador, sempre tive um princípio presente de que todos dependemos uns dos outros. A psicologia é algo que me fascina desde 2004, quando o meu treinador era o professor Jesualdo Ferreira, no Sporting Club de Braga, e vi o professor Jorge Sequeira, que foi o primeiro psicólogo que vi num time de futebol. A partir deste momento, comecei a perceber que, quanto tu chegas a um nível de excelência de trabalho, de recursos humanos, de estrutura do clube, há algo que faz a diferença, que é o que está entre as nossas orelhas. É algo que me fascina. Desde jogador, procurei falar, perceber, ler. É algo que faz diferença nas nossas vidas, basta percebermos que, quando estamos aborrecidos, o impacto que isso causa a nossa volta. E o impacto que causa quando estamos mais otimistas. Para mim, enquanto treinador, é fundamental para o rendimento dos jogadores, mas para a nossa vida particular também.

Na sequência, o treinador concedeu aproximadamente uma hora de entrevista, respondendo a diversas perguntas, que ora eram sobre o Palmeiras, ora sobre o futebol português. Após a coletiva, com exclusividade ao NP, o atual campeão da Libertadores e da Copa do Brasil enviou uma mensagem à torcida palmeirense e afirmou que pretende voltar ao Brasil na próxima semana.

Confira os tópicos abordados por Abel Ferreira na entrevista:

Ordem do Infante D. Henrique

– (Essa medalha) representa um orgulho imenso de ser português. Quando eu estava a receber esta mefalha, pensava que estava representando cada uma das pessoas que me ajudam a receber esta condecoração. Não sei se sou merecedor de receber sozinho, porque muitas pessoas contribuíram para que estas conquistas fossem possíveis, desde jogadores, diretores, minha equipe técnica. Essa medalha significa um orgulho imenso de ser português e a lembrança de toda esta cruzada que me levou a esta condecoração.

Libertadores é igual à Champions?

– Todos nós daqui da Europa percebemos que, quando falamos da Libertadores e da Liga dos Campeões, a única diferença é que a Liga dos Campeões tem um hino que quando tu ouves, seja como treinador, ou como jogador, te dá um arrepio e a ‘pele de galinha’ aparece e a Libertadores tem um slogan muito claro, “em busca da glória eterna”. São duas competições com um impacto e uma dimensão muito grande.

Diferenças entre futebol brasileiro e português

– A grande diferença é aquilo que vocês vêm muito na Europa, os treinadores reclamando, que é a densidade competitiva. No Brasil, tive três microciclos com jogo, descanso, jogo, com um dia só de descanso. Tivemos a final da Copa e entre os jogos enfrentamos o nosso maior rival. Você tem duas maneiras de ver isto, ou fica a queixar-se, ou olhar como um desafio. As grandes diferenças do futebol português para o Brasileiro é que no Brasil existe muito encaixe, marcação individual, que você começa a ver na Europa. Aqui em Portugal, quando eu estava aqui, só havia uma equipe que fazia encaixe. Vocês sabem que o jogador português é, mais do que nunca, valorizado, não só pelas competências táticas, mas pela liderança também. Acho que há bons jogadores a todo lado, o Brasil tem, por natureza, a técnica, o samba nos pés, mas há bons jogadores em todo lado. Treinadores, igual. Isso não é só no futebol, é em todas as atividades. Tem o Tite, o Felipão, o Vanderlei Luxemburgo, há bons treinadores em todo lado, mas também existem os menos bons. Hoje vivemos num mundo global, onde a competitividade é feroz, vivemos na selva. Eu não me vejo nessa selva, mas é assim que ela funciona, e nela só existe espaço para os melhores. Eu procuro dar o melhor de mim para contribuir para aqueles que lidero, para que seja recíproco, com eles dando o melhor também. E sempre pensando que todos somos um, na vida profissional e pessoal. 

Registro da entrevista de Abel Ferreira com um dos repórteres portugueses (Foto: Acervo Pessoal)

“A vida é feita de momentos”

– Não há muitos treinadores europeus que foram para a América, mas muitos vêm da América e triunfam na Europa, como o Simeone. Eu não perco muito tempo pensando naquilo que conquistei, porque hoje eu acho que a vida tá tão rápida, passa tudo muito rápido, temos que perceber que a vida é de momentos. Passo hoje um momento bom, sei que mais cedo ou mais tarde passarei um momento mal. Procuro tirar o máximo dos momentos. Vocês só ficam com a fotografia, com o título, a taça, mas quem conquista, em qualquer modalidade, para nós, o que fica é toda a cruzada, tudo que sofremos e choramos até as conquistas. Quando ouves os grandes falando das suas conquistas, percebe que existe um denominador comum, que a disciplina e a determinação.  

Trocas de posições

– Eu gosto muito que os jogadores troquem posições. Quando meti o Wilson Eduardo de ponta de lança no Braga, o presidente ficou doente comigo. Ainda hoje, no Brasil, quando troco os jogadores, porque acho que eles têm essas características, isso faz com que o jogador perceba o que sentem os jogadores nessa posição. Muitas vezes, o zagueiro passa a bola ‘à queima? Para o meia, mas quando ele passar ao lugar do meia, percebe o cuidado que tem que ter ao passar a bola. Outro exemplo, colocar um lateral de centroavante. Muitas vezes ele escuta o centroavante falando “cruza direito” e, quando coloco ele nessa posição, mesmo no treino, ele passa a perceber que ele tem que ser bem servido pelo lateral. Isso faz com que eles sintam o que o outro sente nesta posição. 

Como decidiu ser treinador?

– Houve um treinador, o Jesualdo Ferreira, que fazia muitas perguntas aos jogadores. E houveram dois treinadores que me colocaram pra dar palestras, o Jesualdo e o Paulo Bento. No Sporting, fomos jogar em Coimbra, e o Paulo Bento falou e pediu pra eu falar no final. Aquela viagem da cadeira até a frente pra falar com os jogadores, eu tremia todo. Só disse: “meus amigos, vamos passar das ações aos atos, bom jogo a todos”. Teve uma determinada altura que eu pensava “treinador não, treinador não”, mas a partir do jeito que esses dois lideravam, eu comecei a pensar que queria ser treinador. Eu passei a perguntar tudo, ia anotando, foi assim que cresci. Foi tudo um processo.

Gosto pela utilização de jogadores jovens

– Eu penso que, quando surge o convite do Palmeiras, acredito um clube bem estruturado, organizado, tem que saber exatamente o treinador que procura, se é de projeto, de momento, de formação, de resultado. Temos que ser honestos, eu estou mais próximo de ganhar se tiver um elenco com mais jogadores experientes, do que com muitos jovens. Sempre contemplei, na construção do elenco, jogadores jovens, no Braga, no PAOK. No Palmeiras a mesma coisa, mas é preciso os jogadores de suporte, que vão fazer os outros crescerem. Eles têm que entender o contexto do clube. Se você falar só dos jovens, eles ficam com ciúmes. Quando cheguei no Palmeiras, falei que todos somos um. Os experientes são extremamente importantes para dar o suporte e a experiência que só os mais velhos podem dar. Essa mescla é fundamental numa equipe de futebol. 

Desafio de sair da Europa e ir ao Brasil

– Primeiro dizer que o verde e vermelho, da bandeira, verde de esperança e vermelho de coragem. Tem gente que gosta de estar na zona de conforto, mas entendo que o homem só cresce se sair dela. Não penso desta maneira, se pensam que somos maiores ou melhores, penso que somos todos iguais. Eu sou um treinador de projeto, ainda não fui despedido. Acredito que eu também tenha pago pelos meus serviços, pela valorização dos jogadores e do clube. Os treinadores e jogadores não podem escolher pra onde vão, mas dizem se querem ou não. Eu vou estar onde me querem e onde estou feliz. Neste momento, tenho contrato no Palmeiras e eles me querem. Procuro dar o meu melhor onde eu estiver para corresponder as expectativas de todos.

A importância de ler o jogo

– Eu acho que um bom treinador é aquele que consegue ensinar o jogador a ler o jogo. Eu, só aos 27 anos, é que comecei a entender o jogo. Entender que o jogo era muito mais do que marcar o Quaresma, ou o Simão. Na minha cabeça, quem pensava “quem é o número 11?”, tirava a fotografia e não deixava ele tocar na bola. Se ele não fizesse gols ou desse assistências, meu trabalho estava feito. Mas o futebol é muito mais do que isso. Muito mais. Uma das minhas grandes preocupações é ensinar o jogo, independentemente do sistema. É perceber a leitura dos espaços. Mas uma coisa eu aprendi, você está sempre nas mãos dos jogadores. O futebol é mágico, os treinadores fazem um estudo exaustivo dos adversários, são metódicos no treino, mas uma Libertadores é decidida quando seu ponta esquerda vai pra direita e o da direita entra na área. O treinador tenta deixar o jogo o mais previsível possível, mas o jogo tem vida própria. Me dá um prazer tremendo quando percebo que o jogador entende o jogo e o que eu estou a dizer. Os treinadores indicam o caminho, mas quem percorre são os jogadores. 

Impotência contra o River Plate

– Estamos a falar de emoção. Os brasileiros gostam muito de rezar antes e depois dos jogos, eu próprio sou religioso, na segunda parte desse jogo (contra o River Plate), eu tava a me sentir tão impotente que coloquei as mãos nos bolsos e fiz uma oração. Eu sei que Deus não se mete no jogo, o adversário reza também, mas eu tava a me sentir tão impotente que tive que fazer alguma coisa. De emoções, foi um jogo extraordinário, realmente representa o que é possível no futebol.

Como é trabalhar com tantos jovens?

– É tu teres um diamante bruto na frente, que vês que tem qualidade, e, se lapida-lo, eles percebem que juntos chegamos mais longe. Para ensinar o jogo, precisa de tempo. Quando não tem tempo, precisa adaptar. O jogador brasileiro gosta de correr para cima da bola, mas precisa esperar que ela chegue. É possível jogar bem sem a bola. Você consegue atrair e enganar sem tocar na bola. Apanhei uma equipe com mente e coração aberto para aceitar as ideias do treinador e o treinador tem que ter a mente e o coração aberto para abrir mão de alguns princípios que tem. 

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