O exorcismo

O futebol não pede licença pra desenrolar suas histórias. Ele nem sempre intervém, mas quando o faz, é uma reconstrução à Tarantino

O futebol não pede licença pra desenrolar suas histórias. Ele nem sempre intervém, mas quando o faz, é uma reconstrução à Tarantino. Se atento você ainda estivesse mesmo em meio ao desalinho que tomava de assalto o coração, pensaria: está acontecendo de novo. É o mesmo enredo. Seremos campeões.

O equívoco vadio de quem fazia uma jornada homérica só poderia ter o propósito macabro de atender aos desejos torpes do futebol. Era a necessidade de produzir uma história perfeita. De realinhar, mesmo, a órbita dos planetas. O título tinha cor, mas não bastava. Não era só vencer. Havia mais.

Não bastava ao Palmeiras, o Paulistão. Era um exorcismo e todo ritual tem pagamentos. Com juros e crédito. A dor passada tinha inclusa a dramaticidade dos pênaltis. Tinha preso na dor o som da rede balançando nos chutes que vinham do ladelá. Era preciso apagar essa memória. Destruir a chacota. Estraçalhar qualquer argumento.

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Foi como o gol fortuito de Oliveira, em 2015. Não bastava ganhar. Era preciso devolver a frustração daqueles penais. Quando a canhotinha do grandalhão fez carinho nas luvas de Wéverton e beijou a rede, o destino escrevia: serão, mas do meu jeito.

Foi como quando Prass fuzilou o falso abençoado com os olhos. Foi como Rony, Viña e Zé Rafael que pagaram com juros e dor as maldades do Zé Pequeno inimigo. ‘Blood must blood’. Foi como gritar na cara quando dividiu. Foi como peitar a braveza. Foi como intimidar pré, pós e durante. Foi colocar as cores no caminho deles. Quem tem medo, mora lá.

Tinha que ser na marca da cal. Abençoando o Gol Norte. Como já era bento, o Sul. Amassar a narrativa do gigante impenetrável. Pisotear o ‘deixou chegar’. Chegar e morrer. Camisa que enverga varal é a que faz isso há 105 anos e não a que tem lembrança desde ontem. Tinha que ser no pé da favela.

Favela is here, Allianz Parque, São Paulo, Brasil. Favela é aqui. Favela é De Paula. Canhoto. Carioca. Preto. Humilde. Sofrido. A vida trouxe a redenção no pé do menos esteriotipado alviverde. Os rótulos morrem no campo. Na pancada de afundou Cássio, Corinthians, fantasmas, retrospectos, narrativas mequetrefes e uma falsa soberania. Está morto.

1 minuto de silêncio. Acabou. Como acabou nos pés de Fernando. Nas mãos de Wéverton. Predestinado. Herdeiro da academia. Protagonista da reconstrução. Coveiro do fantasma. Assassino do medo. Mãos santificadas na baliza do Santo. O melhor de todos. O melhor entre os mais novos. Sempre melhores. Sempre superiores.

Do mundo, da América, do Estado, do País. Maior em tudo, melhor em todas, superior sempre. O destino está feliz, enfim. A história está refeita. O filme foi concluído. O inimigo, aniquilado. Tudo voltou ao normal. Como teria de ser. Como Prass, como De Paula. Não há mais o que ser dito. Não há mais pesadelo.

Estamos quites.

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