O futebol não gosta de goleiros negros – uma pena
Jaguaré era estivador do porto no Rio de Janeiro. Aos 22 foi convidado a treinar no Vasco pelo zagueiro Espanhol que o viu catando todas as bolas na várzea como carregava todos os sacos no cais. Na época do amadorismo, 1927, teve de aprender a escrever para assinar o próprio nome para ser goleiro vascaíno. Em um ano já estava na Seleção. Em 1931, jogou tanto contra o Barcelona, na Espanha, que ficou na Catalunha, contratado para a reserva do mítico Zamora. Não gostou e voltou ao Vasco, onde não o quiseram de volta. “Traidor”! Foi jogar no Corinthians mantendo o mesmo estilo provocador dos rivais. Ficou com saudades da Europa e descolou um lugar em Marselha. No Olympique virou O Jaguar e foi campeão francês, em 1937. Em 1939 voltou ao Brasil com medo da guerra. Perdeu todo o dinheiro nas noites e nas lutas. Morreu de modo violento, só não se sabe se em briga ou se no manicômio. Enterrado como indigente, em 1940.
Goleiro. Negro.
Veludo era estivador do porto no Rio de Janeiro. Jogava na várzea no Harmonia até ser levado ao Fluminense em 1951 pelo árbitro Armando Marques para ser reserva do mítico Castilho, da Seleção, em 1950. Lesões do titular deram chance a ele. Como excelente arqueiro que foi, as agarrou. As atuações o levaram à Seleção para as Eliminatórias da Copa de 1954. Jogou tanto que foi convocado para o Mundial na Suíça mesmo na reserva de Castilho, no Flu e no Brasil. Um ano depois, jogou muito mal um Fla-Flu. Levou seis gols. E disseram que ele estava “na gaveta”, vendido, subornado. Foi parar no Atlético onde foi campeão em Minas. No Santos jogou pouco. No Madureira, ainda menos. O de cisne foi no Canto do Rio. Quando a bebida tomou de vez o corpo que ele afogava em álcool ainda no Fluminense. A cirrose levou o ex-atleta que era só pele, em 1970.
Goleiro. Negro.
Barbosa foi o melhor goleiro do Brasil entre 1945 e 1950. Titular absoluto do Expresso da Vitória que foi base da Seleção, em 1950. Brasil favorito também pelas seguras atuações dele na Copa. Onde nada pôde fazer na decisão no gol de empate de Schiaffino. Onde poucos poderiam imaginar que Ghiggia do Uruguai chutaria aquela bola entre ele e a trave esquerda do Maracanã. Não foi frango, ele não teve culpa. Mas a marca ficou. “A pena máxima para um crime no Brasil é de 30 anos. Mas a minha punição já passou dos 40 anos…” lamentava, em 1990. E mais ainda em 1994, antes do tetra, quando a comissão técnica da CBF não deixou que ele se aproximasse dos goleiros do Brasil para a Copa dos Estados Unidos. “Daria azar” a presença de Barbosa…
Goleiro. Negro.
São três histórias. Três casos reais com alguns componentes irreais. Muitos deles injustos.
São três carreiras descarriladas que ajudaram a criar a fama, com alguns outros lances terríveis como os do negro goleiro corintiano Barbosinha (que levou dois gols de falta estranhos do palmeirense Tupãzinho, em 1967).
Goleiros negros que falharam. Ou nem isso. Goleiros que falham independente da cor de pele. Mas que no Brasil são marcados na pele e na alma.
Não sei se a origem do preconceito explicitado pelo negro Edilson no Fox Sports é essa. A mesma sensação que Vampeta também tem. Outros atletas afrodescendentes também pensam igual. Muitos jogadores que não são negros ou mulatos analisam do mesmo jeito. Mesmo vendo e jogando com e contra Dida. Mesmo elogiando Jailson hoje na meta palmeirense. Jefferson há quase uma década no Botafogo. Mesmo vendo bons goleiros como o camaronês N’Kono, nos anos 80. Jairo goleiro da Seleção em 1976 como foi o mulato Manga na Copa de 1966 (cuja data de nascimento inspira o Dia do Goleiro no Brasil). Hélton e Gomes neste século também são ótimos exemplos.
É fato: o mundo do futebol não “confia” em goleiros negros. Também é preconceito, claro que é. Mas é o que temos em todas as cores e credos.
Uma pena que não se sustenta. Uma pena que é mais antiga que a “punição” a Barbosa.
ADENDO: Nem deveria, mas lamento profundamente os hominídeos que conseguiram enxergar neste texto um “lobby” pela convocação de Jailson. Meus pêsames.
Lamento também os que queriam um ataque ainda maior a quem pensa assim. Os fatos são explicativos. Não precisam maiores comentários.
Lamento também os que acham ser uma questão menor. Claro que não é.
Lamento os que não entendem que isso merece ser debatido. E insisto na informação: MUITA GENTE PENSA ASSIM NO FUTEBOL. MAS POUCOS FALAM ABERTAMENTE COMO FALOU EDILSON.