O nosso Edmundo de estimação
O livro da Editora Seoman é do Sergio Xavier.
Tenho a honra de assinar o prefácio transcrito abaixo.
A alegria maior de o lançamento da obra hoje em São Paulo ser na sala Joelmir Beting.
Meu Edmundo de estimação.
Você é um animal. Não apenas desde 1993, quando o Garotinho Osmar Santos batizou o nosso bichinho justamente maluquinho: em um ano você deixou a reserva do sub-20 do Vasco para ser ídolo no seu time de berço, chegar à Seleção, e mudar se cidade para virar o menino mimado com responsabilidade de adulto como craque-propaganda das vacas gordas da Parmalat. Ajudando o Palmeiras a sair da fila enfileirando rivais e desafetos driblados pela sua ginga animal e pelo seu jogo mezzo cerebral, mezzo cabeça e coração de Bacalhau.
Em menos de um ano de carreira profissional com espírito amador você comeu a bola e quem viesse pela frente. Poucos adultos teriam maturidade e equilíbrio tão acelerado e celerado para sair da vida difícil pra dolce vita de craque raro e atleta raríssimo. Não jogasse tanta bola ainda seria ótimo esportista. Porque nasceu assim pronto. Porque treinou nos aprontos como se fossem partidas. Porque partiu pros jogos como se fossem batalhas para ganhar e ainda encantar. Tripudiar. Zombar. Zoar. Perder a cabeça. Mas não o jogo.
Craque de repertório de dribles tão rico quanto o verbal. Expressão perfeita do gênio genioso da ginga do jogo com o cidadão que fala como joga. Muito bem. Que fala o que pensa e, logo, não pensa no que fala. Pena por isso. Depena por aquilo.
Com a bola, faz do centímetro quadrado um latifúndio redondo. Finta e dribla, passa e borda, pinta e apaga. Dá e faz gol. Recebe pancada e dá porrada. Mas não cai. Não tem mimimi. Pode até ter mais do que deve a bola que não devolve demais. Mas não tem má vontade. Tem até demais.
Excessivo. Exacerbado. Exagerado. Mas nunca um ex-craque. Nem escroque. Joga limpo. Direto. Na lata. Na cara mesmo que estrague a outra face que ele pode dar pra quem respeita ou mesmo recrimina.
Você pode falar mal dele. Pode puxar uma capivara animal contra ele. Mas lá dentro, nas quatro linhas, mesmo perdendo a linha a perder as contas, ele mais resolve que cria os problemas que não são poucos. Sou muito suspeito pra falar de um craque que virou ídolo que virou amigo que virou colega que quase comprou minha casa. Sou suspeito para defender alguém que é tudo isso e tem muitas coisas indefensáveis para falar dele.
Mas mesmo quando alguns dos bichinhos na cabeça o faziam passar reto quando eles goleavam o Edmundo que não dava bola aos conhecidos, no dia seguinte ele te carregava no colo de carinho e atenção. Parecia outra pessoa. E muitas vezes parecia mesmo duas. O irascível e o da nossa raça. O que faz chorar de dor e o que chora por amor. O bestial e a besta. O genial e o jeguial. O Edmundo animal e o bicho do mato Edmundo. Dois em um. Um pelos 11. Fera pra milhões.
Poucos ídolos são como ele. Eterno no amor de mãe pelo Vasco e de mulher pelo Palmeiras mesmo tendo jogado nos outros grandes do Rio e em quase todos de São Paulo. Eterno mesmo pouco terno em cenas lamentáveis em campo e fora dele. Humano até demais com quem gosta mesmo com instintos animalescos. Edmundo é muito nosso porque errar fica mais humano com ele. Ele fez tudo que gostaríamos de fazer em sonhos pelo nosso clube, e também desfez muito pela vida que nem em pesadelo se pensa.
Os vários mitos, micos, monstros e machos que Sérgio Xavier dá aula ao tirar da jaula. Com elegância de um drible sem espaço. Com capricho de uma conclusão no ângulo. Com a visão humana e da bola para enxergar a antevisão de alguém que joga intenso, se joga tenso, mas é mesmo imenso pra quem teve o prazer de torcer por ele. E o pesar de torcer contra.
Quem nunca edmundou que atire a primeira pedra. E os poucos que jogaram tudo que brilhou que consigam o respeito que Edmundo ganhou dos rivais e a idolatria que conquistou nos dois clubes que têm suas afinidades coloniais e históricas. E têm um Edmundo para chamar de seu. O nosso animal de estimação.