O pai que deu o Palmeiras ao filho

"Muitas das vezes meu pai falava quando dava tudo errado: ‘eles fazem de tudo para eu não gostar do Palmeiras! Mas eu nunca vou deixar de amar esse time’".

Cassimiro Fernandes da Silva chegou em agosto de 1972 a São Paulo para morar numa pensão. Ele tinha um time na sua Recife. Na nova cidade ele foi ao Pacaembu escolher um time paulista. Não foi difícil. Em um mês o Palmeiras seria campeão estadual invicto. Não conseguiu ir ao Morumbi ver a Segunda Academia ser campeã brasileira contra o Botafogo, quatro meses depois. Mas em 1973 viu muitos jogos do bicampeonato nacional alviverde.

Virou Palmeiras. A família toda. Até no cartório. O primeiro filho se chama João Leiva Oliveira Silva. Homenagem ao craque Leivinha. A mulher virou palmeirense.

Luciano nasceu em 1990. Em 1993, ele estreou no cangote pra ver Palmeiras 3 x 2 Grêmio, pelo Brasileiro. "Eu tenho a cena tatuada no meu peito", conta Luciano.

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Nenhum jogador "prestava". Mas se o Palmeiras estivesse a fim, ele virava Ademir da Guia para o pai do Luciano.

Sempre estava com a camisa do time. Até no trabalho. Nas finais, ele botava todas as camisas da família no sofá. Enfeite de parede, o que fosse. Até a última, em 2018, enfeitou toda a casa.

"Eu te dei o melhor time do mundo", dizia ao filho. Luciano sempre chorou com as derrotas. Nas disputas de pênaltis, a mãe queria tirar o menino da sala. Mas ele brigava com a mãe. "Deixa o menino aí"! Na semifinal de 2000, "minha mãe me tirou da sala. Ele gritou. Batia na parede. ‘Eu te dei o melhor time do mundo’". Naquela noite de São Marcos, também o melhor goleiro.

Superstição? "Se o Palmeiras fizesse um gol e a mãe estivesse fora da sala de TV, a mulher não podia voltar pra sala durante todo o jogo".

Ele sofreu infarto em junho de 2019. "Ganhamos da Chapecoense. Ele estava na UTI e queria ver os gols do jogo. E tinha que ouvir o rádio. Melhor coisa era ver os jogos pela TV. Ouvir os jogos com o Oscar Ulisses. Paixão que passou pros filhos".

As filhas são são-paulinas. Mas viravam palmeirenses quando ele via jogos sozinho em casa.

O pai levou Luciano sempre ao estádio. Com a idade, o jogo virou. "Nos últimos tempos eu que o levava. A última vez foi na semifinal da Libertadores de 2018 contra o Boca Juniors, no Allianz Parque. Quando levantou o mosaico da torcida antes do jogo, os olhos dele ficaram cheios de lágrimas. Ele me chamava de ‘pai’ mesmo sendo filho. E no fundo eu estava sendo pai dele. ‘Pai que coisa linda isso". Pra mim pouco importou o jogo e a eliminação.

Foi o último jogo. "Eu sabia que seria o último jogo. Primeiro de julho de 2019 ele partiu. Foi enterrado com a camisa azul da eterna academia. Foi tocado o hino na cremação. Só pôde aproveitar um ano com a netinha. Foi um ano só. Mas segue sendo a relação mais forte".

O Palmeiras os uniu. "Ele nem sempre perguntava como tinha sido meu dia. Mas sempre a gente falava do Palmeiras todo dia.
O Palmeiras é o que mais nos uniu. Quando abaixou o caixão pra cremar, eu bati nele e falei ‘veja se ajuda o nosso time lá de cima, hein’!? Não abandona nosso time. Que eu também não vou abandonar. E esse amor vou passar pra minha filha".

Laura hoje tem dois anos. Mas já é Palmeiras mesmo desde 1972. Como, no fundo, o Cassimiro já era mesmo antes de ser.