O Palmeiras é sempre o mesmo
29 de novembro de 2012.
Uma quinta-feira pela manhã.
Dois palmeirenses me deram essa bandeira que coloquei aos pés do meu pai. A oficial veio logo depois, entregue pelo presidente do clube.
Dezoito dias antes, o Fluminense foi campeão brasileiro ganhando da gente com um show de Fred.
Exatamente (e erradamente) uma semana antes da nossa queda definitiva contra o Flamengo.
Uma semana depois, meu pai teria um rebaixamento de consciência com o AVC que o levaria naquela madrugada de 29 de novembro.
Minha queda definitiva.
Não lembro ter chorado quando meu pai nos deixou naquele 29 de novembro. Disse ao mundo que ele partia. Eu estava ao vivo, na rádio.
Dei entrevistas nas TVs durante o dia. Beijei e abracei muita gente, a família foi abraçada e reconfortada por muitos brasileiros.
Minha mulher sempre esteve comigo.
Também não lembro quando fui abraçar meus filhos. Só sei que eles souberam pela internet do avô. Não sei dar notícias ruins. Apesar de eu ter dito a todos que ele tinha partido, aos meus não disse.
Nem conseguiria.
Três anos e exatos 11 meses depois, em uma madrugada de 29 de outubro de 2015, também não estou chorando pela vitória nos pênaltis contra o Fluminense, na semifinal da Copa do Brasil.
Comentando o jogo pelo Fox Sports, não se sofre – apenas se trabalha. Não se torce – apenas se observa.
Mas quando o microfone é desligado, quando se celebra depois pelo celular com os filhos, a mulher, primos e amigos a classificação suada e sofrida desse Palmeiras "que ainda nos mata mas nos faz cada vez mais vivos", nas palavras do amigo Vítor Galvão, não tem como não imaginar como o velho JB estaria vendo o jogo.
Quer dizer, como ele não estaria vendo.
Ele não via. Nem ouvia.
Ele não torcia, apenas sofria.
Um dos caras mais otimistas que vi não conseguia ser otimista vendo o Palmeiras. Fosse Academia de Ademir ou qualquer porcaria sem ter onde cair, meu pai não via mais jogo. Não ouvia mais partida.
Ele desligava. Fingia estar. Mas não estava.
Agora, eu só queria estar com ele ao telefone contando mais um jogo que ele não viu. E, mesmo assim, ele bolaria uma partida heroica a partir do que ele não sabia.
Ele criaria algo do tipo de um pênalti perdido e depois convertido pelo Palmeiras, de um atacante rival quebrado marcando gol, de um gol anulado no último minuto, de um milagre de Prass no último segundo.
E, claro, aqui é Palmeiras, de um goleiro defendendo o pênalti decisivo.
Esse é o jogo que meu pai inventaria sem ter visto.
Esse é o jogo que Deus inventou para a gente continuar convivendo com quem a gente não pode mais ver.
Se você também perdeu o seu pai, estamos juntos.
Se você ainda pode torcer com seu pai, vá por mim: acorde ele agora mesmo, 3h12 da manhã, e comente todos os lances da partida.
Até ele cair no sono do outro lado do telefone.
Vá por mim. E faça por você.
Boa noite, Palmeiras.
Obrigado por cobrir o sono do meu pai, e os sonhos dos filhos e netos.
(Este texto tem 3 anos. Mas se você adaptá-lo às defesas do Weverton e ao jogo contra o Flamengo nos últimos 10 minutos depois do empate, no último sábado, e trocar Fox Sports por Jovem Pan, é tudo igual: a minha saudade e o Nosso Palestra)