Opinião: ‘No Direito, quase tudo depende’

Juan Giaretta, Consultor Jurídico do NOSSO PALESTRA, escreve sobre a ação de Abel Ferreira movida contra jornalistas

O assunto discutido depende sempre de alguma coisa: depende da interpretação do magistrado, sobretudo, depende da dialética e do trabalho de convencimento dos juristas.

O Direito não é algo matemático e imutável. Ele é orgânico. Não raras vezes é possível se deparar com decisões judiciais conflitantes sobre um mesmo fato (idêntico ou semelhante).

E a divergência de decisões sobre o tema da Liberdade de Expressão talvez seja um dos assuntos mais nebulosos para a discussão jurídica.

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Para a solução de casos envolvendo princípios constitucionais fundamentais, o magistrado deverá encontrar um ponto de equilíbrio, que garanta o interesse público existente na livre manifestação do pensamento, mas sem que se tolere excesso de linguagem ofensivo à honra do terceiro.

Perceba que há uma linha tênue entre os dois polos, e somente o exame do caso concreto, de cada manifestação específica, poderá revelar se a publicação constitui lícita manifestação do livre pensamento ou ilícita ofensa à honra de terceiros, caracterizando o agravo e a ofensa que a Constituição Federal.

O magistrado precisará identificar se na matéria publicada existe conteúdo informativo que tenha finalidade de observar o interesse público inerente às atividades jornalísticas, ou se tem o propósito de ultrapassar os limites da liberdade de informação e de causar sensacionalismo ou depreciação à pessoa da parte autora. Se a menção teve o condão de violar os direitos da personalidade ou limitou-se a descrever a opinião a partir de um fato concreto (que pode ser uma fala de pessoa pública genérica).

Qual é o caso concreto?

Suposto preconceito eurocentrista de Abel para com os brasileiros

Fala do Abel:

“O jogador brasileiro tecnicamente, de longe, os melhores que eu já joguei. De longe, os melhores que eu já joguei, mas mentalmentetêm muito que evoluir, muito, a nível de educação, a nível de formação enquanto homens, também já o disse aqui, porque eles não têm essa formação, eles às vezes não têm noção do que estão a fazer, noção, noção nenhuma, não tem noção nenhuma (…) Então nós temos que educar o homem(…)”

Frase do jornalista Luis Augusto Simon:

“Abel Ferreira se comporta diante de brasileiros como José de Anchieta ou Manoel da Nóbrega (colonizador), também europeus, diante dos indígenas: é preciso ensinar, domesticar, colonizar….’

Frase do Mauro Cezar:

“Cara, esse papo não dá, esse papo é de colonizador, parece com Jorge Jesus, tem a mesma conversa. Então europeu não bebe, não faz bobagem, é todo mundo disciplinado… não tem. Na Europa não tem, não tem um jogador de futebol europeu,africano, americano, australiano, neozelandês, sei lá, ou aqui na América do Sul que vai pra balada, que bebe, que faz uma bobaginha. Eu não gosto quando os portugueses vêm para cá com esse papo furado não, entendeu, de… falando… o André Rocha foi oprimeiro cara lá do UOL que sacou essa expressão que eu acho que define bem, que é a visão do colonizador. Fala em tom professoral como se estivesse ensinando para nós brasileiros como a gente deve se comportar. Não, não é assim.

Elementos chave de cada situação:

“Se comporta como colonizador” e “papo de colonizador”

Na primeira expressão, a defesa pode facilmente aduzir que ali existe apenas uma opinião — embora ácida—, no sentido de  demonstrar um “proceder como”, ou se “portar como” um colonizador.

Não há atribuição de adjetivo direto ao treinador, apenas uma crítica ao que pareceu ser uma generalização de que somente os jogadores brasileiros, enquanto homens, não sabem o que fazem.

Na segunda frase “papo de colonizador” igualmente é possível aduzir que existe apenas uma menção a um argumento genérico de autoridade e não de que o porta-voz seja a autoridade eurocentrista.

Certas ou não as conclusões manifestadas pelos dois jornalistas, em virtude de uma frase aberta, a sua multiplicidade revela que caracterizam ao menos uma das leituras possíveis sobre a fala do treinador, e que não cabe ao Poder Judiciário dar a palavra final sobre a leitura adequada acerca da manifestação, fato que violaria frontalmente o direito à livre manifestação do pensamento [1].

Atente-se para o fato de que o direito de opinar está intrinsecamente relacionado com o exercício do direito de crítica e opinião conclusiva sobre fatos concretos, e que não necessita da observância do requisito da verdade, pois aqui se protege o exercício da liberdade de expressão em sentido estrito, dotado, portanto de alto grau de subjetividade. Diferentemente do direito de informar – a qual deve seguir um rigoroso procedimento de checagem de informações para que não adentre ao campo da ilegalidade, veiculando informações objetivamente falsas— o direito de opinião goza de campo muito maior para expor suas ideias sem adentrar ao campo da ilegalidade, o que não ocorrerá pela mera emissão de opiniões que venham a ser consideradas, mesmo que pela maioria, como incorretas, mas apenas caso violados os direitos de terceiros[2].

Do que Abel precisa para aumentar as chances de ganhar o caso?

O treinador precisa ultrapassar o raciocínio dedutivo. Não se limitar a deduzir o direito de sua honra da norma para a fala dos jornalistas.

Para um tema tão complexo quanto esse, será preciso que se utilize a técnica de argumentação, no sentido de procurar o convencimento do juiz, não apenas pela pura lógica-formal (subsunção da norma para a situação fática), mas do caso concreto para a determinação da norma adequada à solução do problema.

É necessário buscar e demonstrar a motivação íntima dos jornalistas para a comparação desagradável de um fato histórico pejorativo.

É um trabalho intelectual difícil, partindo da interpretação do direito para determinar a norma jurídica adequada para resolver o caso concreto.

O depoimento pessoal dos jornalistas será imprescindível para o sucesso da causa. Abel Ferreira poderá tentar obter a confissão dos depoentes a respeito dos fatos alegados, no sentido de demonstrar o verdadeiro animus injuriandi vel diffamandi. Ou seja, convencer o juiz, por força da confissão ou de outro meio probante, que se ultrapassou o limite do exercício regular de expressão, que não há simples animus narrandi e animus criticandi (caráter informativo e opinativo das matérias, malgrado extremamente ácidos e irônicos).

O Abel já começou bem em indicar os clubes de coração dos dois jornalistas. Resta trabalhar em cima disso,mesmo que não seja o objeto principal da discussão.

Embora já tenha criticado o próprio Jorge Jesus em algumas oportunidades, dificilmente o leitor encontrará alguma opinião polêmica, profunda e pessoal do Mauro a respeito do Flamengo, clube do qual é torcedor.

Mauro Cezar é conhecido por criticar e tecer ataques infundados ao Palmeiras e também ao Abel Ferreira que, segundo ele, não acrescentou nada ao futebol brasileiro, mesmo após as inúmeras conquistas no comando de um time sem grandes craques[3] (duas Libertadores, Recopa, Copa do Brasil, Paulista) e na postura de seus próprios jogadores, a bem do espetáculo (não se vê jogador do Palmeiras praticando cera).

O apresentador Fernando do canal Insta Verde já alertou o torcedor Palmeirense para o fato de que no Brasil, dentro do ambiente do futebol, existe uma frustração por parte de comentaristas e jornalistas (muitos deles sem qualquer experiência prática esportiva), frustração essa que passa a impressão de que aqui é proibido alguém fazer sucesso e ser reconhecido por um bom trabalho[4].

Há um nítido movimento contra essa figura de um treinador estrangeiro que rompeu barreiras e quebrou recordes históricos e sociais no Brasil.

Por Juan Giaretta, Consultor Jurídico do Nosso Palestra

[1] (Autos 1086292-30.2021.8.26.0100 – lauda 6)
[2] (Autos 1086292-30.2021.8.26.0100 – lauda 8)
[3]https://www.lance.com.br/fora-de-campo/mauro-cezar-diz-que-abel-ferreira-nao-agregou-nada-brasil-muito-parecido-com-que-faz.html
[4] https://www.youtube.com/watch?v=cQi9LJwEU9U