Palmeiras 1 x 0 Chapecoense, 37a. rodada do BR-16

Palmeiras ganhando de novo o título em casa com inegáveis méritos, o treinador homenageia a academia de

goleiros do clube e troca, no fim da partida decisiva, um

profissional de caráter e carisma que ficou muito tempo fora

por lesão pelo substituto natural. Sai Marcos e entra Diego

Cavalieri. O Palestra vem abaixo em palmas e lágrimas.

Como se o vovô-garoto rejuvenescido como um Zé Roberto

(emocionantemente ovacionado pelo que joga e rala e fala

aos 20 finais contra a Chapecoense) desse o lugar a um

moleque de futebol enorme como o futuro de Gabriel

Jesus.

Tudo isso foi nos 5 a 0 na Ponte Preta. Maior goleada de

uma final paulista. Em 2008. Tudo isso também aconteceu

aos 44 minutos do segundo tempo no Allianz Parque. 2016.

Fora desde que a dor de cotovelo por amor ao que faz o

tirou do ouro olímpico e do Palmeiras, Fernando Prass, 38,

está do lado do gramado que com as luvas ele guarda. Ele vai substituir Jailson, 35, ainda invicto no Brasileiro. A maior

invencibilidade da história de palmeirenses nos Brasileiros

que nenhum clube venceu mais que o nosso.

Placa erguida. Sai 49 e entra 1. Entra um cara que chegou

ao clube aos 34 e à Seleção pela primeira vez aos 37. O

primeiro goleiro que o Palmeiras comprou desde 1994. Ano

do último Brasileiro. Sai um palmeirense de berço que só

estreou na Série A aos 35. Sai abraçado por todo o time.

Vai para o banco abraçado por todos os reservas.

Ovacionado pelo maior público que o Parque Antárctica já

viu desde 1902, quando foi palco do primeiro jogo do

futebol oficial no Brasil. O país que mais títulos mundiais

tem. Casa desde 1920 do maior vencedor de títulos

nacionais. Não é por fax e nem por fãs. É fato. É foda. É

Palmeiras.

O clube que faz goleiros foi ao mercado depois de 18 anos

comprar Prass (2012) e Jailson (2014). Um Prass que vai

ser eterno Palmeiras como Zé Roberto, o capitão Dudu e

Moisés (o melhor do campeonato para mim) e Tchê Tchê

(o melhor no 1 a 0 contra a Chapecoense). Um Jailson que

nasceu Palmeiras e vai para sempre guardar nos olhos

essa homenagem como guardou nossa meta a paixão

palestrina. “Eu não sabia que o Cuca me substituiria no

final do jogo. Quando vi a placa fiquei muito emocionado

pelo carinho dos companheiros e da torcida. E mais ainda

pelo grande cara que é o Prass. Já falei para todo mundo:

esse lugar é dele. Trabalhei para caramba para chegar até

aqui, respeitei, mas preciso ter humildade. Ele é um ídolo.

Ele é o titular. Eu fico na minha, trabalhando quietinho”.

Mas a sua também é nossa, Jailsão da massa. O primeiro

título do primeiro goleiro negro do Palmeiras. Na linda tarde

em que a avó dele veio a um estádio pela primeira vez. Aos

80 anos, ela era uma das quase 41 mil pessoas que mais

que lotaram o Allianz Parque para ver e celebrar o maior vencedor nacional. Time de torcedores que muitas vezes

se acham os maiores perdedores interplanetários.

Só as meias brancas me tranquilizaram antes do jogo que

merecia ser goleada contra o misto da Chapecoense, naquele que vinha sendo a melhor semana da história do clube catarinense, finalista da Sul-Americana (por isso a escalação alternativa de Caio Júnior)…

Tão ressabiados somos que o grito de ”é campeão” que

todos os rivais já lamentavam só se ouviu aos 38 do

segundo tempo – e olha que o Flamengo ganhava do

Santos no RIo e garantia o enea desde o primeiro minuto

de jogo no Allianz. É assim a torcida que corneta e

desconfia. A que canta e vibra levou 37 jogos para ter

confiança de gritar ”é campeão”. O palmeirense não sente

cheiro de nada, não acha que o campeão voltou, ou que é

contra tudo e contra todos.

Aqui é Palmeiras. Basta. Festa e alegria no apito final que

remetem à Pazza Gioia da primeira conquista. O Paulista

de 1920. A Louca Alegria dos palestrinos pelas ruas

paulistanas nos anos 20. O primeiro título do futuro

Campeão do Século. Acabando com uma “fila de seis

anos”. Nada para quem estava por 21 anos até 27 de

novembro de 2016 sem ser em nível nacional o que ninguémfoi mais desde então – o maior campeão. Na primeira

das nossas nove conquistas em casa.

O primeiro desde 1994, com a Via Láctea da Parmalat.

Quando ganhar o Paulistão ainda era muito importante. Título estadual que o Palmeiras ganharia em 1996 como

nenhum outro com tantos pontos na era profissional.

Voltaria a vencer em 2008. Palmeiras que ganhou Rio-São

Paulo em 2000, a Copa dos Campeões no mesmo ano, trê

s Copas do Brasil, uma Mercosul, a Libertadores.

Tudo isso desde 1994. Mas o Brasileiro fazia tempo. O

Palmeiras não sabia o que era desde quando venceu de

novo o Corinthians, no Pacaembu, com show de Velloso,

Rivaldo e Edmundo. E, agora, quando venceu

antecipadamente o nono brasileiro na longa novena de

orações de um campeonato que parecia conquistado desde

os 2 a 0 em Itaquera. “Ali foi o jogo do título”. Palavras de

Cuca: “saímos de Atibaia depois do empate com o

Flamengo e fomos direto para o estádio deles. Lá fiz a mais

emocionante preleção da campanha. Falei mais das famílias que eles não viam do que do adversário ou do nosso

time. Ali foi a arrancada para o título”.

O torcedor começou a represar na vitória em Itaquera o

grito que só soltou na última semana antes do título, entre a

vitória justa contra o Botafogo e o placar apertado demais

pela superioridade contra a Chapecoense. Semana que

pareceu levar 21 anos para o palmeirense. E vai levar

ainda muito tempo para os rivais lembraram e criticarem as

coisas de sempre: “ tabela que ajudava, a tabela que

prejudicava, o nível do futebol de hoje, o Cucabol, o apito, o

Marco Polo presidente da CBF, o Paulo Nobre do

Palmeiras, a Parmalat, a Academia”, e qualquer motivo que

se use contra o time que Zé Roberto disse que é “o mais

gigante onde ele já jogou”, na bela festa na Paulista, depois

do jogo. Críticas que serão levantadas por mais anos

enquanto o Palmeiras seguir levantando taças. Elogios que

serão eternos como as trocas de goleiros e abraços. A

passagem de bastão de gerações campeãs. Como os filhos

de Luís Pereira e Vagner Bacharel, que não viram os pais

serem zagueiros do Palmeiras. Mas viraram palmeirenses

que foram ao estádio ou às ruas vibrarem pelo time que os

pais honraram. Pela paixão de Palmeiras para os filhos.

De goleiros para arqueiros. Allianz Parque que veio abaixo

quando, 16h21, vieram ao aquecimento os nossos camisas azuis. Prass entre eles. “O Soldado Universal”, como

apelidaram o preparador de goleiros Oscar e Jailson. Ele

não cansa de treinar. Por isso voltou antes. Como também

retornaram o próprio Jailson, Moisés e Prass. Mostrando a

qualidade do departamento médico do clube, a fisioterapia

e fisiologia. Quando o atleta é profissional e ama o que faz,

volta antes. Ou retorna sempre. Como estava Mazola,

centroavante mítico dos anos 50. O maior camisa 9

revelado pelo Palmeiras antes e Gabriel Jesus. “Meu

sangue é verde”, disse ele ao conhecer enfim o Allianz

Parque.

Foi tudo muito lindo na decisão antecipada. O grito de “Olê,

Cuca” antes de o jogo começar. Um minuto antes de a bola

rolar, pela primeira vez senti a arquibancada superior

tremer. Era muita emoção. Muita gente. Público total de

40.986 pagantes. Superando o de 40 anos antes, na

conquista do Paulista de 1976, contra o XV de Piracicaba.

O maior público presente desde 1902 no antigo campo do

Parque Antarctica.

Um dos maiores gritos de gol aos 26 minutos. Outra jogada

bem ensaiada em cobrança de falta, e gol de Fabiano, em

belo toque por cobertura. Outra aposta de Cuca muito feliz.

Ele deslocou o múltiplo Jean para a cabeça da área,

liberando Moisés e Tchê Tchê, em notável atuação pelo

lado esquerdo. “O Cuca ajustou nosso time. Apostou em

mim na lateral e deu muito certo”, disse Jean, que deu

muito certo em qualquer posição em 2016.

Palmeiras foi ao intervalo com pelo menos oito grandes

chances de gol. Não fosse o ótimo Danilo, teria goleado no

primeiro, e também no segundo tempo. Faltavam 38

minutos para acabar o jogo, Prass e todo o banco foram ao

aquecimento. O goleiro de 38 anos parecia um juvenil.

Aquecia olhando o jogo e torcendo pelo apito final. Mas

também para que ele pudesse jogar alguns minutos.

Cumprindo a promessa que fizera a amigos quando o Brasil ganhou o ouro olímpico: “não ganhei essa medalha.

Mas vou levantar o troféu de campeão brasileiro no final do

ano”.

Uma volta literalmente olímpica. Quando ele também

ergueu no final da festa Gabriel Jesus, no cangote. Menino

que pegou o microfone e agradeceu ao estádio como

Marcos fizera no “Amém dele”, ao se despedir em 2012: “

espero que vocês não me esqueçam. Eu sei que não

esquecerei vocês”.

E ninguém esqueceu o garoto que nasceu antes do último

brasileiro. No 1994 em que começou a correr atrás da bola

o Nonno Zé Roberto. Figura da nona conquista brasileira. O

enea. Como eu. Como todos nós.

“A defesa mais importante que eu fiz no campeonato foi a

primeira”, disse Jailson, na estreia contra o Vitória, jogo do

título do turno. Mas entre tantas espetaculares dele e de

Prass, ainda fico com a “defesa” do Zé Roberto em

Araraquara, no empate sem gols contra o Cruzeiro. “Eu

estava atrás daquela meta, ao lado do Mina”, lembra Prass.

“Quase fechei os olhos quando o Robinho passou pelo

Jailson. Sofro demais quando não jogo. Como sofri no

Horto contra o Galo. Quando estou no estádio, sem ser

pela TV, é ainda pior. Fico meio que orientando a zaga,

torcendo feito louco. Mas, naquela bola do Zé, vi tudo

perdido”, disse nosso número um. Por sorte e por raça o

nosso número 11 Zé Roberto, mais uma vez, jogou pelos

onze. Por milhões. E salvou com a perna e com o peito o

nosso Palmeiras.

Por isso a festa maravilhosa pelas ruas enfim abertas no

fim do jogo. A festança com música, canto, tarantelas, funk,

pagode e tudo quanto é música (e não-música) nos trios

elétricos até 3 da manhã. Quando o Zé Roberto falou que

nunca se identificara tanto com um clube em 22 anos de

carreira. Por isso que também esperamos esse tempo todo para sermos Palmeiras. Campeões. Com craques e gente

como Zé. Pode bater no peito. “Faz -u-hu!” E não dorme

mais.

“We Are The Champions”! A última música que o Allianz

Parque ouviu no enea. A canção que fui dormir cinco da

manhã cantando no travesseiro. A canção dos campeões.