Palmeiras 1 x 0 Internacional, BR-16

Em 1973, a Segunda Academia do Palmeiras só levou 13 gols em 40 jogos na conquista do Brasileiro. A melhor defesa da história do campeonato. O último gol sofrido foi aos 5 minutos do primeiro tempo da segunda partida do quadrangular final. Na estreia, Leão fechou o gol no Mineirão e vencemos por 1 a 0 o Cruzeiro. Contra o Inter, Figueroa abriu o placar e o time de Minelli se fechou atrás. Esperando o Palmeiras que empatou e virou no fim, com um gol de cabeça do Luís Pereira. O gol que acabaria sendo o do título, já que o empate sem gols no último jogo contra o São Paulo garantiu o caneco.

A vitória contra o Inter em 1973 (na partida que de fato foi em fevereiro de 1974) foi o “jogo” do título. Para o vice-presidente Maurício Galiotte, foi um dos tantos jogos da conquista. Paulo Nobre também acha. Não havia como não vencer o Inter. O mesmo rival que, em 2014, quase nos derrubou. Venceu o Palmeiras por 3 a 1 em Porto Alegre. A vitória colorada confirmou o time de Abelão na Libertadores-15. E garantiu mais uma semana de pavor absoluto no Palmeiras, com campanha de rebaixado.

Taiberson. O primeiro gol do atacante colorado na carreira foi o primeiro dos 3 a 1 em 2014. Taiberson. O cara que, quando escalado, 12 em cada 11 palmeirenses sabia que faria gol. É nome de quem faz gol no Palmeiras. Taiberson.

Dois anos depois, ele corre atrás da bola no Náutico. Em 2016, o Palmeiras que fugiu do rebaixamento agora corre atrás do título contra o Inter que então foi Libertadores e agora luta por algo que o Palmeiras conseguiu em 2014: permanecer. Ou melhor: sobreviver com a ajuda dos adversários.

O jogo virou. Mudou. E para virar de vez para o Palmeiras em 2016 precisa apenas VINCIT QUI SE VINCIT, como está no brasão do centenário celebrado naquele 2014. O Palmeiras precisa apenas fazer o que cada um sabe: VENCE QUEM SE VENCE.

Como Igor Ferreira. “Palmeiras no sangue”. Era assim que ele falava do Palmeiras que foi a vida por 18 anos. ”Palmeiras no sangue” que o levou dois dias antes do clássico. Depois de quase dois anos de luta contra a leucemia. Quase o tempo da inauguração do Allianz Parque que ele tanto queria conhecer. Estádio que conheceu Igor às 16h51 de domingo. Quando o locutor da casa Marcos Costi leu o texto de um minuto de barulho em homenagem a ele, autorizado por Paulo Nobre. Com a foto de Igor no telão sob a chuva que começara 16h46. Dezessete minutos depois dos refletores acesos para iluminar o domingo de chumbo. Justo o 6 de novembro em que Igor celebraria 19 anos.

Cuca  usou a superação de Igor para os atletas, e dedicou a vitória ao menino que a namorada Isabella amou. Igor que ganharia do amigo Lucas Pirez uma camisa que ele comprou com o desconto de funcionário da Academia Store de Guarulhos. Presente que seria dado no dia em que Igor morreu. Antevéspera de Palmeiras 1 X 0 Internacional. Vitória apertada e justa como se esperava. Placar que deixa o Palmeiras a seis pontos do novo vice-líder Santos. Com apenas 12 pontos em disputa.

Em janeiro de 2015, o Palmeiras começava a se reestruturar com o trabalho duro da direção, com o dinheiro dos novos patrocinadores, com a explosão do programa de sócio-torcedor. Avanti! Dudu já chegara. Era outro elenco. Melhor. Mas ainda desajustado. Igor ficou 40 dias internado até o diagnóstico.

Leucemia… Ele soube depois da vitória de 2 a 0 contra a Penapolense pelo Paulista de 2015. Ele só soube suportar pela força da família, da namorada, dos amigos, da crença em Deus, da fé palmeirense. O médico não entendia como ele estava em pé. Igor escreveu no Facebook: ”o doutor me disse que eu só tinha 5% de sangue e 1% de vida. Ele me disse que nunca vira nada parecido em 20 anos de profissão”. Ele era médico desde 1994. Ano do último Brasileiro do Palmeiras. Vencido contra o Corinthians com um 3 a 1 na primeira final, e um empate por 1 a 1 na decisão. Três dos cinco títulos em 19 meses de 1993-94 contra o maior rival.

Por isso se imaginava uma cobrança ainda maior no Verdão. Daquelas que a imprensa ama lembrar: ”A pressão é enorme sobre o Palmeiras depois da virada espetacular do Santos contra a Ponte no domingo pela manhã, que deixa o time a apenas três pontos do líder que entra em campo pressionado…”.

Pressionado?

O Palmeiras é pressão há 102 anos. Ganhando Copa do Brasil contra o Santos há um ano, não ganhando o Brasil há 21. Pressão alta não é doença no futebol. É remédio de gigante. De Santos. De Palmeiras. Não por acaso os maiores vencedores de títulos brasileiros.

”Deus te ama e nunca irá te abandonar” escreveu Igor na rede social, logo no início do longo tratamento. Jogo duro. De paciência. E de perseverança. Nem sempre dá para fazer bonito. Mas dá para vencer lindo. O gramado do Allianz Parque continua feio. Mas está bem melhor. O jogo do time de Cuca segue não fluindo. Mas com sangue. O Colorado ataca todo limitado pela ameaça do rebaixamento. O Vitória logo marca na Bahia. Inter volta à zona de rebaixamento. Também por isso ataca mais o Palmeiras, que não joga bem. São os sacos de cimento de 21 anos nas costas dos atletas, alerta Cuca.

As quimioterapias não melhoravam Igor. Foram cinco desde 2015. E ele sofria como sofria ouvindo o Palmeiras demorar a engrenar no ano passado. Até ganhar nos pênaltis em Itaquera na semifinal do Paulista de 2015. Até perder o título nos pênaltis na Vila Belmiro.

No jogo em que Dudu perdeu a cabeça. O Dudu que levantou o primeiro escanteio contra o Inter na área. Tchê Tchê de cabeça para o ex-colorado Cleiton Xavier abrir o placar. Mais um gol do melhor ataque do Brasileiro. Na bola parada ou não.

”Para mim, antes do câncer, meus problemas eram maiores que os dos outros. Quando fiquei doente, ganhar um abraço do nada era a coisa mais importante do mundo”. O Palmeiras começou a superar os problemas também em 2015 e não sabia que algumas soluções já estavam lá dentro do clube. Ou da alma. Na Copa do Brasil estava desenganado. Até virar o jogo. E ganhar o abraço de todos. Como Igor foi se superando. Comemorou internado a Copa do Brasil. E um ano depois do diagnóstico conseguiu ser transferido para o Sírio-Libanês. O único hospital capaz de tratá-lo. No dia da goleada de 4 a 1 em Piracicaba, contra o XV, pelo Paulista de 2016.

Na segunda-feira, depois da derrota em casa para a Ferroviária, Igor começou a campanha pela doação de medula óssea. O único jeito de curá-lo. No momento em que o Palmeiras de Marcelo Oliveira não se achava.

Na véspera da derrota em casa para o Red Bull Brasil, Igor postou: ”você aí achando que a vida tá difícil? Lembre-se sempre que tem alguém em situação pior que a sua. Então sempre agradeça a Deus por tudo que acontece em sua vida.”

Logo depois o Palmeiras já com Cuca perdeu de 4 a 1 para o lanterna e calouro Água Santa. Time que não conseguia se defender como agora tem Mina e Vitor Hugo. E até Thiago Santos na cabeça da área correndo por muitos e ganhando aplausos. A franquia Tchê Tchê em todo campo. Jean muito bem em todas. Não concedendo espaços ao Inter que só teve mesmo uma falta cobrada por Alex de perigo no fraco primeiro tempo de jogo mais brigado que jogado. Como tem sido esse Palmeiras redivivo. Como são muitas das finais em todos os tempos.

29 de maio de 2016. São Paulo 1 X 0 Palmeiras. Mas Igor foi dormir enfim feliz naquele domingo. A medula estava zerada. Sem células cancerígenas. Faltava apenas o transplante de medula óssea. Mas não parecia faltar tanta coisa ao Palmeiras. O time começara bem o Brasileiro. Jogando bem e bonito. Mas ainda oscilava.

”Espera no Senhor, confia no Senhor, e tudo Ele fará” escreveu Igor em 28 de junho. Antes do show nos 4 a 0 no Figueirense. ”Eu sei que meu Deus faz milagres. Mas não sei quando esse momento vai chegar”. O Palmeiras era líder. Jogava bem muitas partidas. Mas ainda oscilava. Como o humor de Igor. Natural. Mas sempre tudo se cobra além da conta. Que já era cara.

”Quando rezo peço a Deus para me curar e também curar as pessoas que não sabem o que falam e o que fazem. Tanta gente doente e ainda tem tanta gente fazendo mal para as outras pessoas. Gente que reclama do cabelo que tem mas ainda tem cabelo! Gente que reclama do trabalho que tem mas ainda tem como trabalhar. Hoje eu vejo minha casa como uma mansão. E tudo que eu quero é não sentir dor. Só isso”.

O palmeirense reclamando com o Palmeiras. A imprensa reclamando que o ”Palmeiras joga mal, mas vence e abre seis pontos” como manchetou jornal de segunda. Sim, não jogou bem de novo contra o Inter. Gabriel Jesus e Dudu jogando pouco. Teve apenas quatro lances de gol contra o ameaçado rival. Parou em dois milagres de Danilo Fernandes. O Inter que acabou de novo na zona de rebaixamento teve três oportunidades. Nenhuma defesa difícil de Jailson. É pouco. É pobre para Palmeiras X Inter. Mas muitas vezes é o possível no momento de decisão.

”A medula pegou”. Foi a hashtag de Igor em 9 de agosto, depois do 2 a 1 no Vitória, Palmeiras campeão do turno. ”É o meu novo aniversário”, celebrou. ”Eu venci o câncer” foi o cartaz que mostrou quando o Verdão derrotou o Atlético em Curitiba, a única derrota do Furacão na Arena. No dia seguinte ele teve alta do hospital. Um ano e meio depois da internação. Muita coisa virou na vida dele e na do Palmeiras. Ambos saíram do pior.

Em 2 de setembro, Zé Roberto gravou um vídeo de alegria e esperança para ele. Com a inabalável fé que move esse garoto-vovô que tem idade para ser pai do Igor. Prass também mandou força. Na véspera da virada de 2 a 1 contra o São Paulo, Igor foi jogar sinuca com os amigos. Ainda com máscara. Mas já voltando a viver normalmente.

Esperando o dia da volta ao novo estádio. Mas ele e o time ratearam. Ainda que o Palmeiras só tenha perdido um jogo no período. Justo no dia em que Igor postou que ficara sem escrever no Facebook por estar cansado. Tinha voltado ao hospital. Pediu para rezarem por ele. Reforçou na quarta-feira. Ao meio-dia de sexta a família soube da partida. Dois dias antes de completar 19 anos.

O Palmeiras está muito próximo de ser o que ninguém foi mais do que ele. Igor está mais próximo ainda de inspirar o amor de Isabella, da família e dos amigos. O amor de quem enfim esteve no Allianz Parque.

Mais do que falar do jogo que não foi bom, melhor mesmo falar do que é bom nesta vida. Obrigado, Igor, por ter sido a mais bela imagem de um jogo que não foi bom. Mas que pode ser campeão como você.  Ainda melhor: é o que você é, mais que campeão. É Palmeiras.

 

O elenco que foi abraçado na véspera do jogo no treino na Academia. Quando as torcidas apoiaram como devem sempre fazer. Pelo amor. Jamais pelo terror.