A postura do Palmeiras expõe a incoerência do Flamengo na pandemia
(Foto: Reprodução / TV Palmeiras)
Em 2020, o mundo se viu diante do maior desafio dessa geração: a pandemia do novo coronavírus. A doença mundial provocou um grande caos, do qual o futebol brasileiro não escapou e foi forçado a paralisar suas atividades por tempo indeterminado.
O Brasil é um dos epicentros da pandemia, estando atualmente em segundo lugar no número de mortos no mundo (mais de 44 mil). Não obstante, a curva de contágios e de óbitos continua em plena ascensão. Em tal situação, não há previsão para uma volta do futebol responsável e que respeite as ordens técnicas de saúde à risca.
O esporte não envolve somente jogadores: há também a comissão técnica, os árbitros, dirigentes, gandulas, fisioterapeutas, roupeiros, motoristas, entre outros muitos profissionais, e, claro, as famílias de todas essas pessoas. Por outro lado, o prejuízo financeiro causado pela paralisação das atividades é um fator comprometedor e que aumenta a pressão pela volta precipitada aos gramados.
Sem jogos, não há receitas de TV, não há premiação dos campeonatos e os clubes precisam pagar salários sem que os jogadores estejam atuando. Além disso, a crise econômica afeta também alguns patrocinadores, que eventualmente deixam de cumprir com seus compromissos devido à falta de receitas.
Naturalmente, os clubes mais ricos seriam os mais ‘confortáveis’ em lutar por um retorno responsável. Esse é, na verdade, o mínimo que poderiam fazer. Com as contas equilibradas, quase não há chances de quebrar durante a crise, o que possibilita adotar uma postura prudente e que preserve a vida e a saúde de todos. E é aí que Flamengo e Palmeiras entram nessa história.
Já se tornou senso comum que os rivais interestaduais citados são os clubes mais ricos e bem administrados do Brasil. Os dois lideram o ranking de faturamento, possuem os melhores elencos do futebol nacional e suas estruturas são de primeiro mundo. Mesmo que por meios diferentes, suas ações de gestão normalmente caminham na mesma direção, a do profissionalismo.
Entretanto, ambos possuem posturas radicalmente opostas quanto ao retorno do futebol. O Flamengo, o mais rico, lidera um movimento no Rio de Janeiro para forçar um retorno, o quanto antes possível, do calendário esportivo. O presidente do clube carioca, inclusive, esteve reunido com Jair Bolsonaro em 19 de maio para tratar do assunto. Um dia depois, foi noticiado que a equipe rubro-negra fez um treino ‘clandestino’, ou seja, retomaram as atividades físicas presenciais sem autorização da Prefeitura.
A cereja do bolo se deu na madrugada desta terça-feira (16), quando o clube votou favoravelmente para o retorno do futebol daqui a dois dias (!) em reunião da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj), e a pauta foi aprovada.
Alguns torcedores defendem a postura do time com a justificativa de que "o nível de organização do Flamengo permite que todos os protocolos de segurança sejam seguidos". Em um país em que só houvesse um clube com tal nível de organização, essa justificativa prevaleceria, pois não haveria parâmetro para contra-argumentar. Contudo, existe o Palmeiras, que é tão organizado quanto e, desde o início, é contra a volta do futebol até que os órgãos de saúde responsáveis a aprovem.
O presidente palmeirense, Maurício Galiotte, reforçou a conduta alviverde no último sábado (13), quando, após uma recusa da Prefeitura de São Paulo para o retorno aos treinos nesta semana, afirmou em vídeo que "o Palmeiras vai manter o mesmo posicionamento desde o início da pandemia. Nos preocupamos com as pessoas, com a saúde de todos, com nossos atletas, nossos profissionais, funcionários, colaboradores, e assim vamos manter essa mesma postura."
Um flamenguista poderia dizer que, tecnicamente, o Flamengo também depende da aprovação das entidades médicas. Mas a questão não é essa. Estamos falando da postura dos clubes. A situação do Rio de Janeiro é caótica. É o estado que possui uma das maiores taxas de mortos a cada 100 mil habitantes no país: 44,8. Em São Paulo, esse número é quase a metade: 23,4, segundo o Ministério da Saúde.
E o clube mais rico do país, que tem mais condições de passar por essa crise do que qualquer outro, está querendo colocar a vida de seus jogadores e de todos os outros envolvidos em risco. Voltar o futebol no auge da pandemia é menosprezar o vírus e seu perigo. Esse mau-exemplo será lembrado.
Esse texto não se trata de clubismo palmeirense, inveja, nem nada disso. Como já foi dito, o Palmeiras faz o mínimo esperado de um clube saudável financeiramente. E não é mais do que uma obrigação respeitar as recomendações dos órgãos de saúde e preservar vidas humanas.
Esse texto serve para registrar que estamos passando por um momento simbólico, no qual as decisões irão gerar grandes consequências, que serão lembradas no futuro. E, nesse caso, entre os dois maiores símbolos do futebol brasileiro na atualidade, não é o Palmeiras que estará em dívida com a história.