Supercampeão de 1959, 60 anos depois
Texto do meu livro 20 JOGOS ETERNOS DO PALMEIRAS, da Maquinária Editora. Uma conversa entre avô, neto e amigos palestrinos
Palmeiras 2 x 1 Santos
Campeonato Paulista
Data: 10/01/1960
Local: Pacaembu
Renda: Cr$ 3.076.375,00
Juiz: Anacleto Pietrobon
Gols: Pelé 14’, Julinho 42’ e Romeiro 48’
Palmeiras: Valdir; Djalma Santos, Carabina e Geraldo Scotto; Zequinha e Aldemar; Julinho, Nardo, Américo, Chinesinho e Romeiro
Técnico: Oswaldo Brandão
Santos: Laércio; Getúlio, Urubatão e Dalmo; Zito e Formiga; Dorval, Jair Rosa Pinto, Pagão, Pelé e Pepe
Técnico: Lula
O supercampeão
ANGELO – Por que foi um “super campeonato” o Paulista de 1969, Nonno?
NONNO BEPPE – Porque foi preciso uma melhor de três jogos no Pacaembu, em janeiro de 1960, para definir o campeão estadual. As duas equipes terminaram empatadas com 63 pontos ganhos depois dos dois turnos. O Santos era fantástico. Só não era perfeito por que não era Palmeiras.
JOSÉ EZEQUIEL FILHO – O Santos tinha aquela linha fantástica que fizera 143 gols no Paulistão de 1958. Em 1959, os caras marcaram 151! Mas tínhamos a melhor defesa do campeonato. E, para honrar nosso Hino composto anos antes pelo maestro Totó, também tínhamos uma linha atacante de raça. Só que o Palmeiras não é só raça. Muitos times têm a mesma garra que a nossa. Agora a técnica… Ninguém é Campeão do Século e Academia de Futebol por acaso. Aliás, epítetos que não fomos nós que demos. Foram os fatos.
NB – Quando vendemos o Mazola para o Milan, na Copa de 1958, recebemos uma bela grana. Com ela montamos um timaço para 1959. Primeiro, veio o Julinho Botelho, logo depois do Mundial. Ah, Signore Botelho!!! O Nelson Rodrigues dizia que o Garrincha tinha de jogar na ponta esquerda para deixar o Julinho pela direita! Que jogador! Driblador, ofensivo, solidário, goleador. O caráter, então!
JOTA CHRISTIANINI – O Djalma Santos só chegou em maio de 1959. Não foi barato. Foram Cr$ 2,7 milhões por um jogador de quase trinta anos (o que era uma idade avançada naquela época). Boa parte do dinheiro para pagar o passe dele foi arrecadada nas famosas festas carnavalescas. Algo que faríamos também em 1971 com o Leivinha, também comprado da Portuguesa. Mas o Djalma valeu cada centavo. Um lateral direito de técnica admirável e consciência tática absoluta.
FERNANDO GALUPPO – Nosso time era muito bom. Mas o rival também era demais. Eles buscavam o bi paulista. Depois do Supercampeonato de 1959, seriam tricampeões estaduais, de 1960 a 1962, fora um monte de títulos nacionais e internacionais. Só não foram tetras, em 1963, porque mais uma vez não deixamos. Só nós tínhamos time para vencê-los.
JC – Ainda que, quando perdíamos… Foi assim no primeiro turno de 1959: na Vila Belmiro, nosso goleiro Aníbal não foi bem. Levamos de 7 a 3. No returno, no Palestra, a história foi outra. Pra não dizer a de sempre contra o Santos: 5 a 1 pra nós. Faltando quatro jogos para acabar o segundo turno, estávamos empatados em pontos. Foi um sofrimento danado. Perdemos para o São Paulo no Pacaembu e dependíamos de uma derrota do Santos para o Guarani, em Campinas. O jogo acabou mais tarde. O Ferrari, que depois seria lateral da Academia, fez os gols da vitória para o Bugre.
JC – Que time tínhamos! Valdir na meta; Djalma Santos, Valdemar Carabina, Aldemar e Geraldo Scotto na zaga; Zequinha e Chinesinho formavam o meio-campo; Julinho, Romeiro, Américo Murolo e Geo era o nosso ataque no primeiro jogo da final, bem dirigido pelo Oswaldo Brandão.
NB – O Valdir tinha uma colocação dentro e fora de campo espetacular. Djalma é o melhor lateral de todos os tempos. Geraldo Scotto, pra mim, é o melhor lateral esquerdo da história do Palmeiras. Sério, correto, irrepreensível, pena que parou cedo por lesão e sofreu com a concorrência com a Enciclopédia Nilton Santos na seleção. É um absurdo ter jogado tão pouco pela seleção. Foram apenas duas partidas, em 1960. É um crime lesa-bola ele e o Waldemar Fiúme não terem feito parte da história da CBD. Ao menos o clube fez a parte dele. Em 1962, o Geraldo se machucou pouco antes da Copa no Chile. Era nome quase certo para disputar o Mundial. Depois que o Brasil foi bicampeão, o clube deu a ele um prêmio como “campeão moral” da Copa de 1962.
JEF – O meio-campo era um primor: Zequinha marcava por todo mundo como volante, tinha um bom passe e arriscava alguns chutes da intermediária. Fez quarenta gols pelo Palmeiras. Foi reserva do Zito no título mundial de 1962. Ao lado dele, outro gaúcho. Chinesinho. Ele chegara como ponta-esquerda ao Palmeiras, em 1958. O Brandão começou a usar o Chinesinho como meia no ano seguinte. Foi na estreia do Rio–São Paulo de 1959. Ganhamos do América do Rio por 1 a 0. Ele acabou se transformando em um dos maiores de todos os tempos com a camisa 10. Tem até quem o considera melhor que o Ademir da Guia – para ter uma ideia do que ele jogava!
FG – O ataque tinha o mito Julinho, o Romeiro que jogava em todas as posições da frente, o artilheiro Américo e o Géo. Foi a nossa linha ofensiva na primeira partida da final. Se houvesse um vencedor em 90 minutos, seria o supercampeão. Mas, naquela tarde de terça-feira, 5 de janeiro de 1960, no Pacaembu, acabou tudo empatado por 1 a 1.
JEF – Não jogaram Jair e Pagão no Santos. Não mudava muito: entrou um moleque chamado Coutinho no ataque. Com apenas dezesseis anos, ele seria o melhor parceiro do Pelé. Só isso. Foi dele o primeiro gol, aos 22. O Zequinha empatou aos 34. Foi um resultado justo.
JC – Na tarde de quinta-feira, dia 7, o segundo jogo. Brandão mudou o time: botou o Nardo ao lado do Américo na frente e sacou o Géo da ponta. Para lá, ele mandou o Romeiro. Foi bom também para compensar as dores do Djalma, Chinesinho e Julinho, que não estavam 100 por cento fisicamente.
JEF – O árbitro Catão Montez Júnior marcou muito bem nosso time: não deu um pênalti claro do lateral Dalmo no Julinho, aos 37 minutos. Mas, dois minutos depois, marcou o puxão pelo pescoço do Aldemar (o melhor marcador de Pelé, palavras do Rei!). O Pepe foi bater, e o Valdir ficou cantando o canto para ele. Disse que ia bater no esquerdo. E ele bateu mesmo. Quase deu pro Valdir. Mas é que o Pepe era um animal. Mal tinha como chegar na bola. O chute dele era uma ignorância. O Valdir quase foi parar na praia com a bomba do Pepe.
NB – Voltamos com tudo do intervalo! O Getúlio do time deles fez um gol contra depois de jogada do Romeiro. Eram só 2 do segundo tempo. Mais 2 minutos e o Chinesinho virou o jogo. Os santistas reclamaram muito do lance. Aos 35, um novo pênalti cometido. Desta vez foi o Djalma. O Valdir de novo mostrou o canto pro Pepe. De novo, o Canhão da Vila chutou no lado esquerdo. Nosso goleiro ainda tocou na bola. Mas quase vai com ela e tudo para dentro. 2 a 2.
FG – Novo empate exigia nova partida. Domingo à tarde, 10 de janeiro. Se houvesse nova igualdade, prorrogação de 30 minutos. Mantido o empate, mais 15 minutos de jogo até sair o primeiro gol! Tanto equilíbrio fez com as equipes prorrogassem até a entrada em campo no Pacaembu. Foram mais de 20 minutos de um time esperando o outro até o Palmeiras surgir imponente antes que o Santos. Os primeiros serão os primeiros!
JC – O Jair e o Pagão voltaram ao Santos para a terceira partida.
NB – Nosso grande zagueiro Carabina honrou o nome contra o Pagão: mirou as costas do genial santista e, com menos de 20 minutos, meteu um joelhaço por ali. “Lance de jogo”, netinho… Não tente repetir em casa… O Carabina era um grande capitão, sabia jogar, mas se impunha como xerifão. O fato é que o Pagão, que se machucava facilmente, acabou se lesionando e quase se arrastando até o final do jogo. Não havia substituição naquela época no Paulistão.
JEF – Saímos ganhando com aquele reforço que não é o mais correto na vida. Mas que quase sempre aconteceu no futebol. Com todo tipo de time. Com todo tipo de jogador. O Pagão era realmente especial. Ele ainda estava bem quando deu o gol do Santos a Pelé, aos 14 minutos. Uma bomba indefensável para o Valdir. De novo saíamos atrás na decisão.
NB – Logo depois, o Pelé quase ampliou. Pela meia direita entrou com a bola entre Carabina e Aldemar, e do bico da pequena área chutou cruzado. O Valdir fez defesa milagrosa com o pé direito.
JC – O Santos sentiu a falta de Pagão em melhores condições, e Jair mais disposto a escapar da marcação. Mas havia Pelé, que deixava o time deles com uns dez a mais. Porém, depois do choque do gol, Aldemar passou a limpar a área. Era um zagueiro formidável. Até para iniciar os ataques. Foi ele quem desarmou o Rei na intermediária e tocou para o Romeiro bater lá da esquerda; nosso ex-zagueiro Formiga acabou falhando, e a bola se ofereceu para o Julinho empatar. De canhota, aos 42.
NB – Mas era preciso vencer! No segundo tempo, atacamos para o gol da Concha Acústica. Onde se viu outra obra-prima: a do Sputnik brasileiro, o Romeiro, que fez a luz logo aos três minutos. Golaço!
JC – Ele era um jogador muito moderno, versátil. Além de tecnicamente impecável na bola parada. Ele bateu com efeito uma falta da meia direita que o Laércio não sabe onde e como foi. O ótimo goleiro deles (e que já havia sido nosso) pulou por pular. Ele disse ao jornal A Gazeta Esportiva que imaginou que a bola tivesse ido para fora. Até hoje o grande Zito acha que não houve a falta da virada, que não cometera a infração. Mas ele também admite que poucas vezes viu tamanho efeito numa bola. E raras vezes enfrentou um jogador tão rápido, driblador, criativo e vivo como Chinesinho.
FG – O Laércio não pegou aquela falta histórica do Romeiro. Talvez a mais emblemática de nossa rica galeria de grandes cobradores e imensos gols. Mas o goleiro do Santos fez mais um monte de defesas até o fim do jogo. Mais duas bolas na trave até o título mais que merecido. O nosso supercampeonato! Fechando 1959 e abrindo 1960 com bola de ouro. Já que, ao final daquele ano, ganhamos do Fortaleza, no Ceará, por 3 a 1, na primeira decisiva da Taça Brasil (torneio que, desde 2010, foi enfim reconhecido como o autêntico Campeonato Brasileiro).
NB – No jogo de volta, goleamos por 8 a 2! Até hoje a maior goleada numa decisão nacional. Mais um recorde palmeirense. Mais um supercampeão naqueles meses. Para quem ficara sem títulos de 1951 a 1959, voltar a ser supercampeão de tudo era para poucos. Era para Palmeiras.
JC – Mais ou menos o que fizemos em 1959 e 1960 repetiríamos em 1993-94, quando ganhamos o Paulistão e acabamos com a fila. Logo depois, ganhamos tudo de importante que disputamos no Brasil. Depois de dezesseis anos sem títulos, ganhamos cinco canecos em dezenove meses. Só o Palmeiras saiu de longa fila assim. Para levar aquele carro preto está sendo ae aceitar que paralelo os
ANGELO – Só nós fomos supercampeões paulistas.
NB – E depois o metido e presunçoso é o seu avô!
ANGELO – O senhor me ensinou que, contra alguns fatos e muitos feitos, não existem argumentos. Contra o Palmeiras não existe nada!