Um sonho de São Marcos para Prass

Era um dia de Palmeiras. Pai, mãe e filhos, juntos, pela primeira vez. O princípio básico que toda família alviverde tem, a pedra fundamental na passagem sanguínea do amor. Luiz era o menor. O pai, um torcedor já formado, via a semente florescendo bem debaixo dos olhares emocionados.

“Perdemos ele pra torcida. Quando eu vi, ele já estava com um batuque na mão e cantando as músicas da torcida. Tão pequeno e já vivendo o Palmeiras. Isso foi tão evidente que não demorou pra um torcedor me procurar pra dizer que estava impressionado com o moleque acompanhava todos os cantos”.

De histórico alviverde e com o sonho de ser jogador que o pai tinha, Luiz chegou ao esporte bretão por meios improváveis e que assustaram a família. O garoto foi diagnosticado com problemas respiratórios e a recomendação era procurar um esporte que “abrisse o pulmão”. Vinte dias de hospital deram o passo inaugural para que destino e enviado se encontrassem.

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De uma escolinha do Grêmio Barueri para uma peneira bem sucedida no futsal da Mercedes Benz e o jovem goleiro se tornaria um atleta federado de futsal. “O começo foi complicado. Eles só perdiam e o moleque não entrava em campo. Eu pensava sobre o porquê não darem uns minutos pra ele brincar, mas não acontecia. Era muito raro”.

Detalhe: Luiz jogava na linha. Até que um dia..

Era uma viagem para Campinas, dia de enfrentar o “Pulo do Gato”. Faltaram vagas na van que levaria a equipe. Sobraram alguns garotos que deveriam ir com o pai de um deles. Seria tudo natural caso o motorista tivesse se perdido. A agonia virou atraso que culminou em falta de uniformes. Restava a Luiz uma camisa de goleiro. Se quisesse jogar em um dos três tempos daquele jogo, teria de ser pulando como um gato.

Seria.

O treinador do time não se sentiu confiante e barrou o “tempo” de Luís. A frustração do banco, uma vez mais. Com apenas 6 anos, dias depois, ele teve uma chance em um time escolar e foi brincar no gol. Fez destaque. Foi indicado de boca em boca pelos profissionais da área, por professores que viam potencial naquele garoto que “gostava de tomar bolada”. O São Caetano abriu as portas para o sonho.

Elogios, bons jogos, algumas conquistas do clube e outras individuais, a carreira da criança tomava contornos de um quase atleta. Luís já tinha que entender a crueldade da vida. Comer no trânsito, no ônibus, no metro, no desejo de ser profissional. Uma final bateu à porta. Era o Palmeiras, valendo o título da Federação de Futsal. A supremacia verde se fez. Era o coração sendo obrigado a jogar contra a razão.

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Mesmo confuso com os sentimentos, o pequeno goleiro se destacou. O clube, à época, octocampeão nacional de futebol, pelas mãos de Fernanda Grande, o anjo da guarda dessa família, procurou o pai, o maior palmeirense dessa história, para que o filho vestisse verde e branco. Ele recusou. “Com dor no coração, cara, mas a gente era muito grato ao São Caetano. Na vida, agradecer é fundamental”.

Mais uma disputa de campeonato viria e o segundo capitulo se faria. Era o destino estendendo as mãos para buscar o novo membro da academia de goleiros. Em mais uma final, bateram o gigante. Luís saiu, mas deixou o troféu com seu antigo clube. Começava a vida do entusiasmado filho e o realizado pai no time de coração daquela família.

Como contador dessa história, poderia lembrar que o Corinthians teve interesse em ter nosso pequeno arqueiro, mas o pai, de alma Palestrina, seguiu outros caminhos que fizeram com que ele não parasse do outro lado da cidade, poderia dizer que o coração pesou, mas deixemos isso pra lá. O desejo se tornava realidade. O novo uniforme era o mesmo de São Marcos.

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Em 2016, já fazendo treinos no campo também, Luiz jogou no Centro da Coroa, time que formou Geromel e Elias, ambos da base Palestrina. Lá, fez ótima campanha e foi cedido ao Nacional, de São Paulo para ganhar rodagem no campo. Na final da Copa Associação e, agora com 10 anos, o rival era o mesmo, pela terceira vez. Nas penalidades, teve dia de Fernando Prass e venceu mais um troféu.

Santos e São Paulo abriram os olhos para o talento da cria e tentaram tê-lo. Mais uma palavra mantida do pai mais apaixonado que já vimos. Era hora de retornar ao Palmeiras e assumir a vaga de arqueiro do sub-11 do clube. Número esse que representa muita coisa na breve vida do nosso aspirante a Santo.

“Meu exemplo maior é o São Marcos. Eu usei a camisa 12 no São Caetano por causa dele. O jeito que ele se dedicou ao Palmeiras, fez a carreira no clube, foi exemplo pra todos nós. É meu maior ídolo também porque é um líder. Eu quero ser um líder do meu time, do meu grupo. É igual meu pai fala: não precisa usar faixa pra ser um capitão em campo”.

E a percepção de Luiz sobre Palmeiras vai além das lembranças de passado, coloca luz sobre o que ele viu de perto:

“O Prass é o cara. O jeito que ele vibra em cada defesa, como ele é um torcedor em campo, a importância nas horas decisivas, ele representa um Palmeiras vencedor. Se eu for como ele, será um sonho realizado.”

Luiz é o Palmeiras que nasce nas canteiras, que pega ônibus todo dia, que come quando der e se der, Luiz é o Palmeiras de pouco recurso. “Não, ele ganha a camisa e a chance de jogar no maior clube desse país, ainda não tem a estrutura mesmo. A gente que leva, busca, tudo. Ele faz porque ama demais e quer ser goleiro. Nem liga de fazer lição cansado, no caminho e muitas vezes mal dormir”.

Falar de sonhos, futebol e jovens talentos nessa época não é um acaso. É uma celebração dos anjos do Ninho e uma forma de entender como eles vivem em cada clube do país. No mais rico deles. E as dificuldades se assemelham. O profissionalismo ainda sofre pra chegar nas bases.

“Não tem alojamento ainda para essa idade, eles só viajam mesmo se tiver um jogo. Infelizmente não é como os grandes CTs, eles têm que viver a vida normal de uma criança e encaixar com o tempo em que treinam nos clubes. É uma situação difícil de ajeitar, mas que ele ama viver”.

E a ciência de quem é e onde está não tem idade. A lealdade de sentimentos com gente que vive a mesma vida, então, é imensa:

“Foi muito triste, porque a gente compartilha do mesmo esporte, faz o mesmo trabalho. Eles tinham os mesmos sonhos que eu. Eu tinha um amigo lá. Ele jogava no São Paulo, mas tinha uma ou duas semanas que ele tinha ido para lá. Graças a Deus ele não morreu, [inclusive] já teve alta do hospital. Fico feliz por ele, mas triste pelas famílias, porque mesmo não sendo do mesmo time, tinham o mesmo sonho, tinham a mesma raça, que dava vontade de ser profissional, jogando pela Seleção Brasileira…”.

Quando nos aproximamos desses pequenos com pretensões imensas, mas de inocência ímpar, notamos que o futebol só deixa mostrar a superfície, tantas e tantas vezes. O começo de tudo fica à sombra. Só surge em dores. Só surge em lágrima. Queremos mais vozes de sonhos, de vozes de esperança. Menos leis de silêncio. Menos pautas milionárias. Mais amor ao esporte mais amador desse país. Luz aos pequenos.

Que o caminho seja gigante. Te esperamos no Allianz Parque, Luiz. Luizes e Luizas, inclusive.

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