Voz Palestrina: ‘Rony, a bicicleta e o filé’

Rony, hoje, come o filé. Seus primeiros meses pandêmicos e longe do gol foram angustiantes. Perto das traves, a bola entrou

Em 27 de abril, noite em Guayaquil, Equador, o Emelec recebia o Palmeiras pela Libertadores. Rony fez, no primeiro tempo, um bonito gol de cabeça, consertando um cruzamento forte e alto. Após o apito final, porém, Rony não era mais lembrado pelo gol que abriu o placar, mas sim pela jogada que, naquele momento, sintetizava seu criticado repertório como goleador.

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Rony recebeu uma bola rasteira, dentro da pquena área. Não havia gol mais fácil de ser feito do que aquele. Ao escolher ir de cabeça na bola ao invés de usar os pés, chocou a torcida, já impertinente de tanto pedir “um camisa 9”. Naquele momento, falar de Rony voltava a ser flertar com o deboche. O replay daquele cabeceio em uma bola rasteira tornou inevitável alguns focos de malícia: “o Rony vai de cabeça em bola rasteira, e com o pé nas bolas altas”. Era uma referência às constantes tentativas de dar uma bicicleta na bola.

Bicicleta que, naquela mesma noite em Guayaquil, Rony tentou em condições confusas. Foi quase um movimento aleatório, longe do gol, para a direção contrária, mirando o céu e não um alvo terreno. Era a bicicleta pela bicicleta. Causou risos. Há que ser justo com a torcida: houve, desde quase sempre, algum esforço em comprar o pacote, digamos assim, folclórico do atacante paraense. Rony passeou pela superstição do torcedor, visitou o romantismo dos mais pacientes, contou com concessões afetivas em alguns de seus piores jogos.

Quem vai ao estádio do Palmeiras, afinal, sabe que lá o volume das críticas ao jogador é muito menor do que parece se você abrir uma rede social na mesma hora. O futebol contemporâneo tem disso. Ao vivo, no calor das coisas reais, o empenho e a pureza do jogo de Rony tinham outro volume. Fora do estádio era difícil fazer as justas críticas, já que estas viviam em ambiente contaminado pelos insultos mais tóxicos.

Rony marcou, em 6 de julho, o seu gol de bicicleta. Após a alegria compartilhada em um estádio meis feliz pelo Rony do que pelo gol em si, houve quem dissesse que, na verdade, não foi exatamente uma bicicleta. Houve também quem disesse que foi em uma partida já decidida, um 5×0 contra o Cerro Porteño. Parte dos mesmos que folclorizam suas furadas passaram a contextualizar o acerto com uma condescendência paterna, da qual Rony nunca pediu nem precisou.

Paulo Massini é quem disse: Rony não é centroavante, mas lá joga; não é alto e faz gols de cabeça, inclusive em clássicos; não é zagueiro e é quem mais persegue adversário com bola; não é craque, mas faz gol de bicicleta. Pois agora fez no Maracanã, contra o vice-líder, o gol do 1×0. Uma bicicleta clássica e indefensável. O gol do campeonato, caso ele termine em título alviverde. Custo a achar alguém tão merecedor de um gol que, diga-se, ninguém nunca o cobrou que fizesse. Sequer fazia sentido que se tornasse sua obsessão.

No ano passado, tive contato com o staff de Rony, em razão do documentário da Libertadores que a Conmebol produziu. Não conseguimos visitar sua intimidade no Pará. As pessoas que compõem o cinturão profissional de Rony preferem que a família não se exponha. Gosto de limites inegociáveis para algumas coisas, mas destaco, nas várias conversas que tive com Hércules, que é muito mais do que um agente na vida de Rony, que ouvi, ao mnenos 3 vezes, que com eles só come o filé quem com eles roeu o osso.

Rony, hoje, come o filé. Seus primeiros meses pandêmicos e longe do gol foram angustiantes. Perto das traves, a bola entrou. Com Abel, um novo prazer de jogar floresceu. A bicicleta do Rony é um detalhe que reposiciona todos os pequenos folclores e eventuais irritações pelas quais a relação jogador-torcedor passou. Ele tentará mais vezes este movimento em momentos que pediam outra coisa. Vai errar na escolha e na execução. E será aplaudido.

Cada bicicleta errada do Rony será um jeito carinhoso de se comunicar com o torcedor. Quando acertar, melhor ainda. Mas já não é mais tão necessário.

Texto escrito pelo jornalista Leandro Iamin

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