(Foto: Cesar Greco/Agência Palmeiras/Divulgação)
Fernando Prass defende pênalti de Lucca. Dudu sai do banco para dar a vitória e comemora tirando o chapéu. O roteiro era para ter sido o de mais um Dérbi com vitória verde. Mas não foi.
Palmeiras e Corinthians voltam a jogar no Pacaembu neste sábado (9), a primeira vez no local em mais de três anos. A última foi a derradeira com duas torcidas em clássicos paulistas.
O dia 3 de abril de 2016 ficou marcado por vários confrontos entre palmeirenses e corintianos na cidade e o mais grave aconteceu em São Miguel Paulista.
José Sinval Batista de Carvalho, de 53 anos, passava pela estação da CPTM na Zona Leste quando levou um tirou e morreu no local. Ele sequer gostava de futebol e nem imaginava que naquele domingo aconteceria um clássico a 32 quilômetros dali.
Mais de três anos e meio depois da morte, o caso segue sem solução e gera revolta na família.
“Me sinto indignada com a triste realidade do nosso país”, diz Selma Carvalho, irmã de Sinval, ao NOSSO PALESTRA.
Advogada, ela mesma quem toma conta da situação e ainda procura pelo responsável, porém sabe que a cada dia que passa fica mais difícil encontrar o assassino.
“Irei acompanhar o processo até o fim, mas infelizmente não tenho mais esperanças. Hoje, a minha única esperança é a justiça divina, pois sei que ela tarda mas não falha. Também sabemos que tudo é permissão de Deus. E que não cai nenhuma folha da árvore se Deus não permitir”, completa Selma.
Mesmo sem acompanhar futebol, a irmã de Sinval tem a noção de que a morte dele representou uma mudança na maneira de torcer no estado de São Paulo:
“Infelizmente, nesse país as providências são tomadas apenas quando alguém perde a vida, mesmo sem saber o motivo”.
Vale lembrar que a iniciativa não acabou totalmente com a violência entre torcidas em dias de clássico em São Paulo. Na semana passada, por exemplo, um são-paulino acabou espancado por palmeirenses na Zona Norte.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública se posicionou sobre o caso de Sinval:
"A Polícia Civil informa que o inquérito que investigou a morte de José Sinval Batista de Carvalho foi relatado em 2016 e não houve qualquer solicitação de cota desde então. A Polícia Militar informa que o policiamento realizado pelo 2º BPChq é precedido de planejamento próprio e reunião preparatória com a participação dos clubes envolvidos, órgãos públicos e torcidas."
O que diz Thiago Nicacio, advogado desportivo do escritório “Demarest Advogados” e Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SP (Subseção de SBC).
O “Estatuto de Defesa do Torcedor” (EDT) surgiu em 2003 com o objetivo de trazer direitos ao “consumidor” dos eventos esportivos. Em 2010, diante dos episódios de violência ocorridos dentro e fora dos estádios de futebol, o EDT sofreu sua primeira mudança para incluir medidas de prevenção e repressão à violência nos estádios.
A partir daí, foram inseridos dispositivos atuantes na prevenção da violência, passando a ser compreendida como uma responsabilidade compartilhada pelo poder público, as entidades de administração do desporto, os clubes e suas associações de torcedores, inclusive seus dirigentes. Definiu-se, também, o que seria a chamada “torcida organizada” e a possibilidade de banimento de até 3 anos para aqueles que cometessem atos de hostilidade e agressão em eventos esportivos.
Entretanto, após os episódios ocorridos em 2016, foi adotada pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) em conjunto com a Polícia Militar (PM-SP), a Federação Paulista de Futebol (FPF) e o Ministério Público (MP-SP), uma medida que impôs a proibição de comparecimento da torcida visitante em jogos de alto grau de rivalidade, a chamada “torcida única”.
Em uma interpretação mais sistemática do art. 1º da Lei nº 12.299/10, entende-se que é dever de toda pessoa física ou jurídica, na esfera de sua responsabilidade, atuar de modo preventivo e comportar-se pacificamente, para evitar e não dar causa a situações de violência no âmbito de competições esportivas, em especial entre torcedores e torcidas.
É certo que o torcedor tem direito a segurança garantido, tanto pela Constituição Federal (art. 5°) quanto pelo EDT (art. 1°), nos locais onde são realizados os eventos esportivos (antes, durante e após sua realização). Porém, a proibição da presença da torcida visitante no estádio, como medida preventiva, não encontra qualquer guarita ou fundamento legal.
Os atos praticados por determinados entes das torcidas organizadas não poderiam prejudicar, os torcedores dos times visitantes, a terem seu direito de comparecer aos estádios limitado, como forma de prevenção à violência. Os infratores sim, após identificados, que deveriam sofrer as medidas punitivas severas e individualizadas, e não o todo, de forma generalizada.
Logo, a medida que impôs a proibição de torcida visitante está longe de ser a solução para diminuição da violência dentro e fora dos estádios de futebol. No entanto, há de se reconhecer que essa medida, nitidamente acessória, não lhe retira sua utilidade prática, haja visto dados públicos da Policia Militar sobre a diminuição dos episódios de violência praticados nas datas das partidas.
De fato, clássicos de torcida única não impedem que o torcedor visitante “comum” assista a partida in loco, bastando para tal a aquisição de um ingresso comum, porém sem que esse se identifique como torcedor do time visitante. A tolerância e o respeito à pluralidade das diferenças dentro da mesma tribuna deveriam ser, no panorama ideal, o cenário e ambiente do espetáculo esportivo, apoiados e incentivados pelo Poder Público e todos aqueles envolvidos (jogadores, federações, imprensa, patrocinadores e o próprio torcedor).
Na última quarta-feira (30/10/2019), foram aprovadas alterações no Estatuto do Torcedor pelo Senado Federal (devido ao Projeto de Lei 12/2017), que ampliou de 3 para 5 anos o prazo de banimento das torcidas por violação às regras, estendendo a atuação para atos praticados em datas e horários além dos jogos. Incluiu, também, a invasão de local de treinamento, confronto entre torcedores e atos ilícitos praticados contra esportistas, competidores, árbitros, fiscais ou organizadores de eventos esportivos, além de jornalistas, como passíveis de punição. O texto aprovado espera, agora, a sanção presidencial.
Portanto, o que se deve buscar é a maior fiscalização e punição, por parte do Poder Público, para com aqueles que cometem atos de violência, juntamente com o auxílio das entidades desportivas responsáveis pelo evento esportivo, a fim de melhorar o método de identificação dos infratores, atrelada à promoção e incentivo das práticas de tolerância e pluralidade nas tribunas. Existe uma grande diferença entre ser “inimigo” e “adversário”, e entre ter “ódio” e “competitividade”. Afinal, “para o torcedor fanático, o prazer não está na vitória do próprio time, mas na derrota do outro” (Eduardo Galeano, “Futebol ao sol e à sombra”).
Este cenário de “tolerância e respeito à pluralidade” é quase utópico, uma ilusão, longe de ser alcançado no mundo – principalmente – do futebol. Porém, parafraseando o escritor uruguaio Eduardo Galeano (um apaixonado por futebol): “A utopia está no horizonte, e se está no horizonte eu sei que nunca vou alcançá-la. Porque se caminho dois passos em direção ao horizonte, ele vai se afastar dois passos. Se caminho mais dez passos, ele vai se colocar dez passos mais além. Ou seja, sei que por mais que eu caminhe, jamais o alcançarei. Então para que serve a utopia? Para isso. Para caminhar.”
Assim, os entes Públicos e as Entidades Desportivas deveriam fomentar ações para promoção e crescimento daquele sentimento e consequente ambiente esportivo, e não ações para o aumento e segregação e divisão das relações entre torcedores. Carece, por parte daqueles envolvidos no evento esportivo (incluindo o próprio torcedor), de uma responsabilidade intergeracional mais aguçada, ou seja, do pensamento e preocupação de que suas ações no presente terão, sempre, repercussões/reflexos no futuro e para as gerações futuras.