– Já tá na hora, filho. Boa noite.
– Mas, pai, eu não tô com sono. Me conta uma história pra eu dormir, por favor.
– Que história você quer ouvir? Eu posso contar tantas…
– Fala do Palmeiras, papai. Alguma que você não contou ainda.
– Já te disse do time de 2020, aquele ano maluco?
– Nunca!
– Então deita e fecha o olho, que esse é bom. A verdade, filhão, é que tudo começou em 2019 ainda, muito tempo atrás, quando o Palmeiras resolveu que ia subir uns meninos da base, na época eram mais ou menos da minha idade. Daí contrataram o Luxemburgo, já te falei dele, né?
– Sim, papai. Aquele que ganhou um montão na sua época.
– Muito antes da minha época, mas é esse mesmo. Chegou por isso e ganhou em cima do Corinthians de novo.
– Eba! Adoro ganhar do Corinthians.
– Bom demais, né? Aquele foi ainda melhor. Mas o time jogava feio, mal, eu não gostava. Não sei se alguém gostava. Não à toa ele foi demitido.
– Mas por que demitido se ele ganhou?
– É, mas futebol é mais que ganhar. E do jeito que tava não ia ganhar mais não. O ano não acabou aí, graças a Deus. Contrataram um técnico que ninguém esperava e que chegou sob desconfiança, mas mostrou que era muito bom.
– Melhor que o Felipão?
– Não exagera, mas era ótimo. O time começou a ganhar, ganhar e ganhou a Libertadores, nossa, como aquele dia foi lindo.
– Nossa, uma Libertadores? Eu queria ver uma…
– Você vai. Prometo. Eu não acreditava que ia acontecer e aconteceu, nunca se sabe o dia de amanhã.
– Então amanhã a gente ganhar uma Libertadores?
– Hahaha, é jeito de falar, filho. Mas fica tranquilo que quando você menos esperar, acontece.
– Ahh… ok… mas acabou por aí a história?
– Calma, ainda falta. A Libertadores, nossa, foi muito difícil.
– Sério?
– Você não tem ideia. Teve um jogo contra o River Plate que me arrepia até hoje. Eu não sei o que aconteceu, ninguém sabe, na verdade. Eles deram uma aula de futebol. Assistia desesperado, de madrugada, com vontade de chorar e passando mal. Acho que todo mundo viu assim, um dia te mostro o pessoal do Nosso Palestra na transmissão ao vivo como tava. Espero que você nunca passe por isso.
– Eu também, papai.
– Mas valeu a pena. E como valeu. Na semana da final foi outro desespero.
– Como foi?
– Nossa, eu quase não dormi. Foi horrível. Ansioso, cansado, preocupado. Você não precisa pensar nisso, tem mais é que brincar, mas na época foi complicado. Até hoje seria. A final que foi diferente.
– Aposto que foi um jogão.
– Na verdade, foi feio, mas nunca vi nada tão bonito na minha vida.
– Como assim?
– Um grande amigo do papai disse uma vez: “Futebol é feio, bonito é ganhar”, e foi isso que aconteceu. Lembro direitinho como foi o finzinho do jogo.
– Como?
– Eu tava de pé, seu vô do meu lado. Os dois em silêncio, rezando. Daí o Rony, que foi um dos melhores jogadores daquele time, pegou na bola e cruzou. Eu não acreditava mais, mas quando o vô levantou, antes da bola chegar no Breno Lopes, eu tinha certeza de que era gol.
– Nossa, você é vidente?
– Queria… tem coisas que ninguém explica, só acontecem. Quando a bola entrou foi um dos momentos mais especiais da minha vida. Acho que nunca gritei tanto.
– Nem quando o Prass fez aquele?
– Nem quando o Prass fez aquele. Eu não sei explicar, e nem sei como ninguém reclamou. Eu pulava, gritava, coloquei o hino no máximo no meu maior amplificador, queria que me escutassem do Rio de Janeiro. Meu Deus, que coisa linda foi aquilo. E dormi muito tarde, quis escrever ainda, depois eu leio aquele texto pra você.
– Aposto que ficou lindo!
– Um dos meus favoritos.
– E depois? Tem como ser melhor que isso?
– Sempre tem. O time era muito bom, um monte de gente não gostava, achavam que iam ficar sem título. Bom, o time realmente ia longe, parecia isso mesmo. Chegamos até a final da Copa do Brasil, no mesmo ano da Libertadores, acredita?
– Nossa, devia ser o melhor time do mundo!
– O quarto melhor, na verdade. Outra história. Mas a temporada foi mágica demais. Três finais, títulos, coisa de sonho.
– É mesmo, papai. Eu uma vez sonhei com o time ganhando um monte de coisa.
– Continua assim, daqui a pouco você vê isso tudo. Mas é hora de dormir, filhão. Boa noite.
– Boa noite, papai. Te amo.
– Também te amo. Dorme bem.
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