A Fifa acaba de banir o drible do futebol. Soa exagerado, não? Mas, se é tão distante da realidade, por que continuamos achando razoável questionar a validade desse recurso em campo?
Endrick, de 15 anos, deu uma carretilha na final da Copinha, quando o jogo estava 3 a 0. O adversário, cinco anos mais velho, irritou-se e partiu pra cima. O debate ético-moral que envolve lances como esse busca, a todo momento, nivelar os dois. Aquele que usa artifícios do jogo e aquele que vai contra eles. Exata mesma métrica utilizada para igualar o provocador ao provocado que não sabe reagir.
Não é preciso ir muito longe para resgatar esse exemplo. Na fase anterior, a torcida única não soube suportar a falta de rival nas arquibancadas e desceu ao campo para demonstrar que não sabe perder. O fanatismo é sensível de tal modo que qualquer brincadeira é vista como ataque pessoal. E, para alguns, o problema está na falta de educação de quem brinca e não na reação animalesca de quem ataca.
O gesto de Endrick não desrespeita ninguém. Diz respeito ao talento que leva nas pernas, ao ímpeto pela afronta àquele que o cerca. Ele encara com ousadia quem ousa tentá-lo parar. Foge da trivialidade do toque de lado e desafia o defensor. E que ninguém tente podar seu gingado, porque privar talento é matar futuro.
A cada geração, menos liberdade nos gramados. É fato que o jogo transforma-se constantemente. Mas não há razão para abandonar a magia, elemento que faz do futebol tão encantador. Ensinar jogadores em formação a evitar o drible é limitar o potencial do que temos de melhor.
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O drible, assim como uma piada de humor ácido, é incômodo justamente por desconcertar. Derrubar sem dar a mão para levantar. Tirar da zona de conforto. Por isso e pela plasticicidade visual do movimento, carrega certo caráter circense. O circo diverte, mas também assusta quem não entende sua proposta. Cobram espetáculo, mas têm medo da arte.
Põe-se em cheque então sua necessidade. Endrick estava em direção ao gol? Não poderia ter feito mais simples? Era hora de fazer isso? Pouco importa. O drible é parnasiano em sua essência. Arte pela arte. Que nada impede que agregue, e muito, ao tático do jogo. Mas pode ser sempre só um drible, sem mais pretensões.
Um garoto de 15 anos tem o direito de se divertir em campo. Especialmente quando ele é o craque de um título inédito. O autor do gol que abre o placar da final mais importante da base do clube nos últimos anos. A esperança de um futuro mais verde. Deixem, então, que ele descarregue esse peso na leveza do seu jogo.
Esse é o verdadeiro “futebol raiz”. Não essa cultura do ódio que se esconde atrás do termo para impor padrões reacionários. Essa que cultua a violência como fator primordial do esporte. Extrapola rivalidade, encoleriza o jogo. Persegue cabelos e adereços, mas permite armas brancas e invasão de campo.
Para ser futebol raiz no país do futebol, é necessário encontrar essas raízes. Elas estão no samba, no frevo, na capoeira e na malemolência de quem se esquiva de perseguições desde que nasceu. O drible é dança. E o futebol é via de expressão cultural.
Deixem Endrick se expressar. Tenham calma com ele. Mas, Endrick, não tenha calma. Vá pra cima. Drible!
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