Coordenador de serviço social e psicóloga detalham desafios na base do Palmeiras: ‘Pioneirismo’

Fernando Truyts e Anna Panfili falaram com exclusividade ao NOSSO PALESTRA sobre o trabalho realizado na formação de atletas

Nos tempos atuais, futebol não se resume apenas à capacidade física e técnica de um jogador. Para que tudo funcione em seu máximo desempenho, é preciso estar, principalmente, com a cabeça no lugar e bem acompanhado. E foi pensando nessas pautas que o NOSSO PALESTRA entrevistou Fernando Truyts, Coordenador de serviço social, e Anna Panfili, psicóloga, ambos funcionários das categorias de base do Palmeiras.

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VEJA NO NOSSO PALESTRA
Endrick marca para o Palmeiras contra Independiente Del Valle

(Vídeo: Reprodução/Leila Pereira)

Fernando, de um lado, coordena o núcleo sócio-educacional no Alviverde, que visa formar o atleta como pessoa, se preocupando com aspectos sociais. Já Anna, é responsável pelo acompanhamento psicológico com os jogadores em formação no Maior Campeão do Brasil.

– Eu sou coordenador de um núcleo que chama socioeducacional. Temos assistentes sociais e pedagogas. Esse núcleo tem a preocupação de formar a pessoa. Temos uma tríade: acolher, conhecer e intervir. A gente costuma dizer que precisamos acolher os atletas. A gente atente eles para conhecê-los de uma perspectiva social. Quem é esse atleta, quem é a família, os pais trabalham, ele está em qual série na escola, onde vão morar, qual vai ser o deslocamento dele. Conhecer essa realidade social – explicou Fernando.

– Quando entramos na psicologia, é uma psicologia no esporte, mas que não pode separar a pessoa do atleta. Esses âmbitos estão conectados. Num primeiro momento, nosso trabalho é muito parecido. Precisamos conhecer a história dele, a parte social e o histórico como atleta. Sim, vamos cuidar da sua ansiedade, sua concentração nos jogos, mas não adianta eu trabalhar isso se ele está com dificuldades na escola, na família, para comer. Precisamos conhecer isso para fazer a intervenção no âmbito esportivo – disse Anna.

A preocupação com a formação de seres humanos, não somente de atletas, é algo recente no futebol, principalmente na base. De acordo com Fernando, foi algo que nasceu da década de 90 e surgiu com certo pioneirismo no Palmeiras.

– Se você for pensar, se for resgatar, essas áreas do serviço social, da pedagogia e da psicologia não estão inseridas há muito tempo na base. O serviço social surge na década de 90. O Palmeiras é um dos primeiros a ter essa área dentro do clube. É um clube que tem esse olhar há muito tempo de ter esse apoio extracampo. Não é só o Endrick, ele acaba sendo um caso mais midiático pelo talento, mas muitos outros atletas já foram acolhidos pelo Palmeiras, que já realizou intervenções e dá apoio – disse Fernando.

– É muito interessante, porque, como é um trabalho silencioso, ele não fica tão visível, mas a gente consegue encontrar as mudanças. Aquele menino que tinha dificuldade de comunicação, a gente vê mudanças no comportamento desse adolescente e ficamos muito felizes de ajudá-los fora do campo. Você vai conversar com a comissão técnica, eles também percebem essa mudança dentro do jogo. Como falei, eles não são fragmentados. É um trabalho silencioso que o Palmeiras realiza há muito tempo – completou.

O coordenador enxerga alguns caminhos para trabalhar na prevenção e, caso exista, solução de problemas envolvendo atletas. O responsável pela área vê o futebol como muito mais do que uma bolha e que está de fato inserido na sociedade, por isso precisa passar por pautas sensíveis do dia a dia.

– Há alguns caminhos de prevenção e quando há um problema. Se você for pensar bem, o futebol não é uma bolha. O futebol está inserido na sociedade. Esses adolescentes que estão aqui, eles são adolescentes da nossa sociedade, que vivem em problemas sociais da nossa sociedade. Quando você traz essa questão da violência contra a mulher, outras temáticas como bullying, racismo, ISTs, a gente ter esse trabalho de prevenção, que é algo que fazemos há algum tempo e temos cada vez mais respaldo, está muito relacionado às palestras socioeducativas, que são trazer temáticas da nossa sociedade que são importantes para eles. Para eles tomarem boas decisões que vão agregar dentro de campo – falou Fernando.

– Falamos de prevenção, tratamento, ISTs. Já fizemos palestras sobre mídias sociais, para eles entenderem o funcionamento do clube, da imprensa, das mídias sociais. Já fizemos várias atividades que pudessem trabalhar coisas de comunicação, liderança. A gente já faz intervenções para preparar eles para as competições. Estamos programando outras para falar de saúde mental, para eles entenderem o que é. Várias intervenções já estão sendo feitas de forma grupal e individual – acrescentou Anna.

Veja outras respostas dos profissionais:

Casos recentes de racismo e violência contra mulher:

– Falar sobre racismo, é algo que está muito evidente na sociedade, o Vinicius Júnior está batalhando muito isso, e os meninos se espelham nesses atletas. Além de eles saberem as informações sobre essas questões, queremos que no futuro eles possam também ser referências. O racismo é algo muito triste, ver a perseguição contra o Vinicius Júnior. A violência contra as mulheres também, tem os dois casos do Dani Alves e Robinho que estão em evidência, mas não são só esses casos. Existem outros atletas. Trazer essas temáticas, já levamos para eles essas questões dos tipos de violência contra as mulheres. E quando você faz essas atividades, você percebe que eles precisam ser orientados, que eles não sabiam de algumas coisas. O conhecimento é uma arma poderosa. Isso é muito importante para eles saberem as melhores decisões para cada tipo de situação. E há o outro caminho de intervenção também, na intervenção pontual. Como eu disse, o acolher, conhecer e o intervir. Eles precisam saber que nós temos a questão do sigilo ético, a gente não pode falar para todo mundo para a gente tomar as melhores decisões e seguir o melhor caminho. Os problemas podem ser resolvidos internamente ou com políticas públicas, porque às vezes pode precisar de um acompanhamento mais avançado. A gente entende a realidade, fala com as partes interessadas, entende qual a melhor dinâmica, orienta as partes e acompanha para minimizar esse problema. Muitas vezes, precisamos contar com políticas de ajuda social.- disse Fernando

Valorização do trabalho pelo Palmeiras:

– A Gisele ficou dez anos na base para chegar no profissional. A gente vê o reflexo no campo. As partes táticas são fundamentais, mas quando a gente faz esse trabalho por trás, a gente vê a diferença na forma que ele se comporta nas quatro linhas. – Afirmou Anna

Importância do contato com os pais dos atletas:

– Uma coisa interessante é que o serviço social, a psicologia, acabam sendo uma ponte bacana na relação do clube com os pais. Os pais podem atrapalhar o processo, depende de como eles se envolvem. Uma das ações principais que fazemos é a reunião com os pais das categorias menores, do Sub-10 ao Sub-14, para a gente poder orientar esses pais em como eles podem se envolver. O futebol traz uma expectativa muito grande para eles. Pais que foram frustrados e jogam a expectativa nos filhos, pais que sonham com ascensão econômica muito rápida, pais que nos jogos pressionam o filho. Logo de cara, a gente faz as reuniões com esse pais para que a gente possa orientá-los em como eles podem se envolver. Se você buscar nas relações de estudos, a maneira com que os pais se envolvem interfere com o desenvolvimento dos filhos. Isso é muito importante, já fizemos essas reuniões esse ano. Já fizemos uma atividade sobre tipos de violência contra a mulher. Já falamos sobre educação sexual com os meninos. – afirmou Fernando

– É importante trazer muitas vezes a família para a intervenção ser com eles também. Às vezes, é uma questão cultural da família. Às vezes algo acontece em casa. O clube pode intervir, pode encaminhar. – finalizou Anna.