Maior do que o campo

Acho que desde de que comecei a me interessar por futebol, desde pequena, o dérbi paulista teve um significado na minha vida. Em um primeiro momento, foi pela importância e pela beleza que esse jogo tinha. A gente sempre viu as duas torcidas se movimentarem, e muito, para o belo dérbi, a bela partida. Esse significado foi crescendo…

Sempre que tinha uma partida, não importava se era final, semi ou jogo ordinário, era aquela rixa entre eu e meu avô. Em vitória ou derrota, a gente se telefonava. Eu ligava para zoar ele, quando o Palmeiras ganhava, e era zoada quando perdia. Mas eram aqueles cinco minutos, sabe?

Depois da zoação, a gente já caía no “técnico”. Ele começava a elogiar e xingar jogadores, eu fazia o mesmo. Tudo isso foi se fortalecendo, cada jogo era melhor, diferente e especial de sua maneira.

Meu avô era aquele torcedor tímido, não usava camisa, só tinha umas xícaras e copos com o símbolo, em casa. Mas fazia questão de acompanhar, mesmo que longe, e de dizer que amava o seu Corinthians.

Acho que o último momento marcante que me lembro foi em 2018. Sim, naquele Campeonato Paulista do masculino. Eu lembro de telefonar para ele e escutar um: “Sou corintiano, mas olha…”; e depois já desembestávamos de conversar.

Dentre esses todos jogos e anos, comecei a faculdade, em 2019. Não demorei muito para entrar no mundo do futebol e nem para me apaixonar pelo futebol feminino. Era engraçado eu ligar para ele e falar sobre como o time do Palmeiras vinha investindo na modalidade e como o Corinthians já era um time para levar como inspiração. 

É, eu e meu avô falávamos de tudo de futebol, não tinha tempo ruim. Era só chegar lá na casa dele, que era bem longe, por sinal, para começar o papo. Era Seleção, Palmeiras, Corinthians, São Paulo, Santos, até os times da série C. Bastava puxar o assunto, colocar no jogo, que o coração alvinegro dele brilhava.

A última vez que o vi, foi no dia que o Corinthians foi campeão do Paulistão, ano passado. Depois disso, antes de ficar 12 horas no ônibus para casa, assistimos à Seleção, ele ainda elogiou o famoso Raio, Gabriel Veron. Foi um dos dias mais especiais para mim, ele não sabia que o futebol feminino passava na televisão aberta e nem o nome das jogadoras, ficava me perguntando e falando: “Essa daí joga muito bem, gostei dela”.

Infelizmente, nossa vida dá umas viradas em alguns momentos e perdi meu avô no começo do ano de 2020. Quando o enterrei, quis deixar algo meu com ele, acabei colocando o meu terço. Eu brinco que não ia ser mais possível ganhar esse clássico e vou explicar o motivo.

Acho que vocês também são supersticiosos, né? Bom, espero! Esse era meu terço de jogo, o que estava comigo em todos esses momentos e não me acompanha mais. Pois bem, primeira partida, perdemos! Eu fiz de tudo, todas as superstições, tentei rezar para pedir que não mandasse energias pelo terço, não resolveu. Pois eu precisava resolver, no Paulista peguei o rádio que ele escutava as partidas e fiquei com ele na mão, o título veio.

Isso aconteceu naquela partida do começo de ano, no dérbi do Brasileirão Feminino. Aquele primeiro jogo, que era totalmente especial para a história e tudo, foi muito mais incrível para mim.  Assim que vi os times entrando em campo, as lágrimas começaram a cair no meu rosto.

Naquele momento, eu não sabia se era de felicidade, tristeza ou um misto dos dois, acho que posso definir como saudade. Fiquei na parte da imprensa, perto do narrador, lembro que toda vez que escutava “Gabi Zanotti” já enchia o olho de lágrima, era quem ele mais tinha gostado.

Mas, do começo do ano para cá, muitas coisas aconteceram, né? Veio uma pandemia, pausa do futebol e muito mais. Nesse período, vim somar para a equipe do NOSSO PALESTRA e, quando as pessoas falam o famoso “Ele está olhando por você lá de cima”, eu acho que preciso acreditar.  

Hoje, domingo, tem semifinal entre Palmeiras e Corinthians, o primeiro jogo, a chance de tentar conter as lágrimas será grande, mas a vontade de soltá-las, maior ainda. Eu acho que, mesmo sendo louco pelo time dele, se pudesse assistir ao jogo na televisão e me ligar depois, ele ia falar sobre futebol.

É até engraçado, porque meu avô não me elogiava muito, meio carrasco, sabe? Mas eu vivia na boca dele para os outros. Eu mandava vídeos, entrevistas com atletas, ele contava para todos, espalhava na pequena cidade no interior de São Paulo.

Sim, vovô, vai ser difícil pisar no Allianz Parque para um dérbi e saber que não vou poder falar com você sobre o jogo e sobre a experiência. Mas de uma coisa eu sei, se estiver mesmo me acompanhando, estará orgulhoso de me ver no estádio. Estarei lá, com o seu radiozinho, acho que não posso faltar com a minha superstição.