Amarcord: Corinthians 0 x 2 Palmeiras, BR-16

Este é o texto publicado no livro MEU NOME É ENEA, escrito por mim e por Bruno Elias, editado pela ONZE CULTURAL.

Velho mestre Oswaldo Brandão, você ainda é a maior unanimidade entre corintianos e palmeirenses. Pelo que meu pai contava, o senhor era um médio-direito esforçado do Palmeiras quando o joelho combalido o aposentou precocemente. Quando assumiu ainda jovem o comando alviverde, montou ”a defesa que ninguém passa” inspiradora do Hino do maestro Totó, campeã paulista em 1947.

Mestre, você também foi Corinthians no IV Centenário paulistano. E como foi campeão em 1954 contra o Palmeiras. Também foi supercampeão paulista de 1959 pelo Verdão superando o Santos de Pelé e um jejum desde 1951. Foi campeão do primeiro dos oito nacionais alviverdes em 1960. Montou a Segunda Academia de Ademir da Guia, em 1972. Deixou o Corinthians mais um ano na fila em 1974 no lance mais marcante de um Ronaldo no dérbi. Mas quando voltou ao Parque São Jorge em 1977, o senhor terminou com a longa noite alvinegra de 22 anos sem títulos.

Oswaldo Brandão não por acaso foi nome de troféu do Derby criado em 2009. Sabemos que o senhor era mezzo Palmeiras meio Corinthians. A família, também. Se não foi o maior treinador dos dois lados do clássico, é o único que pode ser louvado por ambos.

No dia seguinte ao clássico pelo returno do BR-16, no domingo, serão 100 anos de seu nascimento lá em Taquara. Pouco antes do centenário do próprio Derby, em maio de 2017. Você sempre soube tudo de bola. Mas talvez não saiba que certos jogos o rival não precisaria nem jogar…

O Derby de sábado pelo returno do Brasileiro terminou com 34 partidas de invencibilidade corintiana em Itaquera. Partida que encerrou a passagem triste de Cristóvão Borges. O Corinthians, mais uma vez, foi muito mal. O Palmeiras, mais uma vez, e desde 2015, foi muito bem em Itaquera, e em um jogo decisivo no sábado contra o maior rival. Nem precisou das meias brancas. Fez um a zero no primeiro ataque com o incansável Moisés, que abriu o oceano vermelho no meio das pernas do goleiro rival. E celebrou com um cajado que improvisou com o tripé da máquina do fotógrafo do clube, o César Greco.

Depois do gol, o Palmeiras só teria nova chance aos 40. Errou passes e não soube segurar a bola na frente. Mas o maior rival foi ainda pior. O único lance mais ou menos foi um cruzamento errado do Cristian. E olhe lá. Não por acaso torcedores começaram a xingar a direção do clube antes do primeiro tempo. Os tempos são outros, mestre. Talvez sobrasse até para o senhor.

Mas seria provável que na base do papo em que você era imbatível fosse possível dar um jeito pelo menos na defesa alvinegra. Ainda que não seja fácil marcar esses caras bem treinados pelo Cuca. O Edu Dracena (que o Corinthians deixou escapar) quase fez o gol que Mina, de novo em clássico, faria logo depois da expulsão talvez exagerada do Léo Princípe. Mais um erro do árbitro que empurrou Dudu logo no começo do jogo! E teria de expulsar Vilson pela cotovelada em Róger Guedes.

Dudu está honrando o nome do bom velhinho Olegário. A propósito, mestre, enfim ele vai receber a homenagem merecida. Mas é surpresa. Não conta pra ninguém aí em cima. Nem pros seus parceiros Junqueira, Oberdan e Fiúme.

O que não aconteceu de surpreendente foi em Itaquera. Não houve novidade. O melhor time ganhou. E com muita sobra. Marcando com Moisés um gol muito parecido com o do Zé Roberto nos 2 a 0 de 2015. Jailson só fez uma defesa difícil em uma bola que sairia. Tivesse acertado mais o pé e alguns passes, o Palmeiras teria goleado o Derby mais disparatado dos últimos tempos.

Velho mestre, aproveita e dá um abraço no meu pai. E fala pra ele que o nosso time ganhou o Derby mesmo sem o Gabriel Jesus e Vítor Hugo (que não jogou os Derbys por estar suspenso), com o Alecsandro só voltando aos treinos na segunda, com o Arouca só agora liberado por mais um “doping” estranho (ele usou um medicamento que não é proibido pela Agência Mundial Antidoping quando ministrado via intra-articular. Ela foi usada para atacar inflamação no joelho esquerdo, por meio de infiltração, após uma cirurgia no menisco). E mesmo sem jogar tão bem assim. Mas certamente o Palmeiras jogou melhor do que muita gente aqui da imprensa que mete o pau no líder que não pode fazer gol de cabeça… E nem depois de arremesso lateral.

Imagine o que diriam dos arremessos laterais na área que o Djalma Santos fazia na sua Lusa e também no seu Palmeiras, mestre….

Outros tempos. Ou os tempos de sempre. Sempre tempo para enaltecer o mestre centenário. O único treinador que teria a torcida única em Itaquera e no Palestra. A única unanimidade inteligente do Derby.

Há dois anos, mestre, lutávamos para não cair. Sobrevivemos. Arrumamos a nova casa e um novo time. Ganhamos a Copa do Brasil. Mantivemos as estruturas. Reforçamos a base. Lideramos o Brasileiro. Jogamos bonito e ganhamos. Não jogamos tão lindo no sábado mas ganhamos de novo do maior rival. Aquele que nunca disse que nos “apequenamos” como o presidente do vizinho de muro que derrubou o próprio castelo e teve de pedir as contas que não fechavam como a boca de quem fala demais.

Por isso é ótimo ser como foi Brandão. Campeão de tudo por todos. Respeitando tudo e todos. E do jeito dele: falando pouco. Quase nada. Ganhando muito. E se gabando zero.

Um campeão-quieto. Um palmeirense-corintiano. Um corintiano-palmeirense. Existe. É possível. Saber ganhar é arte, como bem sabemos como campeões do século 20 (reclamações dos clientes no SAC da FPF, Placar, Folha e Estadão). Saber perder não é fácil. Tem muito mimimi e tem cada vez mais memes.

Mas saber como o velho Mestre Brandão é arte centenária.

1974 obrigados, mestre. 1959 superparabéns. 1973 bis.

Na Academia o senhor é doutor honoris-campeão.