A relação entre Palmeiras e WTorre/Real Arenas está cada vez mais estremecida. Após a vitória sobre o Santos no último domingo (28), o clube divulgou nota oficial para declarar que não sediará jogos no Allianz Parque enquanto a empresa administradora do estádio não cumprir a obrigação de realizar a manutenção adequada do gramado.
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Neste cenário de tensões crescentes, a reportagem do NOSSO PALESTRA obteve acesso à “Escritura Pública de Constituição de Direito Real de Superfície e Outras Avenças” entre o Palmeiras e a WTorre para verificar a existência do direito do clube de encerrar a relação contratual com a construtora.
A Real Arenas é a empresa da WTorre responsável por gerir o Allianz Parque. No contrato firmado entre as partes, o Palmeiras concedeu à construtora por 30 anos o direito de superfície do terreno onde o estádio foi construído, permitindo assim a sua exploração comercial de diversas formas, incluindo o uso da marca e imagem do espaço, a realização de eventos diversos no local e a venda de cadeiras e camarotes. Em contrapartida, a empresa foi responsável pela reforma do antigo Palestra Italia, oferecendo uma arena moderna para os jogos de futebol e novas facilidades para os associados do clube, cobrindo todos os custos da reforma.
A relação entre clube e construtora passa por crise há dez anos, desde que o Verdão questionou na justiça o direito da Real Arenas comercializar dez mil cadeiras no Allianz Parque, exigindo a disposição original das cativas do antigo estádio. Ao longo do tempo, o imbróglio ganhou novos capítulos, como a discórdia sobre o repasse da receita de exploração da WTorre ao Palmeiras, que já ultrapassa os R$ 130 milhões atualmente.
De fato, existe a possibilidade de rescisão contratual entre as partes. As cláusulas 15.1 e seguintes do acordo, tratam especificamente dessa questão, estipulando que, caso a superficiária falhe em manter a destinação acordada da superfície ou altere essa destinação, sem a autorização da proprietária, o contrato pode ser rescindido.
Essa situação é agravada pela ambiguidade dos termos usados no contrato, que abre espaço para múltiplas interpretações. Surge, então, a dúvida se as ações da Real Arenas, como a falta de repasse de verbas e a inadequada manutenção do gramado, se encaixam em tais critérios.
Além disso, o processo de rescisão não é simples. O desvio da destinação da superfície, não leva automaticamente ao término do contrato sem direitos à indenização pelos investimentos feitos na arena e em melhorias. O contrato exige o cumprimento de um formalismo rigoroso e o respeito a várias etapas, desde a emissão de notificações até o cumprimento de prazos de resposta pela parte prejudicada.
“15.2. “Para fins do disposto no item 15.1, acima, na hipótese de a proprietária entender que a superficiária não cumpriu com a destinação da superfície (…), ou ainda, na vigência da superfície, deu destinação diversa à superfície, deverá notificar a Superficiária para que esta corrija a infração em tempo e oportunidades razoáveis, não inferior a 30 (trinta) e não superior a 90 (noventa) dias, contados do recebimento da supracitada notificação“
Além dos estipulados prazos, o contrato explicitamente determina que qualquer divergência deve ser submetida à mediação, um mecanismo para buscar evitar medidas extremas como a rescisão contratual, incentivando as partes a resolverem suas diferenças por meio dela e que envolve a atuação de mediadores “imparciais”.
“15.3. “ Uma vez recebida a notificação por escrito de que trata o item 15.2. acima pela Superficiária, na hipótese de esta entender que não incorreu na infração alegada pela Proprietária, a Superficiária poderá exigir que a solução seja submetida a mediação na forma do item 17.6. desta escritura, sendo que o prazo para correção previsto no item 15.2. acima correrá da data da solução da pendência em mediação, na hipótese de a mediação concluir pela efetiva infração da superficiária nos termos do disposto no item 15.1. acima.”
“17.16. “Na hipótese de impasse das partes com relação à aplicação desta escritura em um prazo superior a 30 (trinta) dias, as partes acordam que tal impasse será submetido a mediação. Para fins da mediação cada uma partes nomeará, em um prazo de 5 (cinco) dias úteis, um mediador, sendo que esses dois mediadores nomearam um terceiro, os quais apresentarão uma solução para o impasse no prazo de 15 (quinze) dias.”
Após a tentativa de mediação, caso esta não seja bem-sucedida, o contrato estabelece, ainda, que as partes devem então se submeter a uma Câmara de Arbitragem, que apesar de ser concebida como um meio mais rápido do que o judiciário, muitas vezes não alcança essa eficiência na prática no Brasil, como exemplificado no prolongado litígio sobre os assentos no Allianz Parque, iniciado em 2014 e ainda sem resolução.
“17.16.1 “ Não sendo possível superar o impasse peço processo de mediação, quaisquer disputas ou divergências oriundas desta escritura incluindo as relativas à interpretação ou aplicação deste item, deverão ser dirimidas em caráter definitivo e vinculante com base no regulamento da Câmara FGV de conciliação e arbitragem vigente à época do litígio, por meio de um tribunal arbitral composto por 3 (três) árbitros escolhidos em conformidade com referidas regras.”
Em suma, um dilema: caso o Palmeiras classifique as ações da WTorre/Real Arenas como infrações contratuais, será necessário seguir um procedimento detalhado e rigoroso para se obter a rescisão do contrato, cuja estrutura aponta a necessidade de diálogo e consenso – elementos que têm sido ausentes nas últimas interações entre as partes.