Dérbi: uma história de rivalidade em família

Fotos: Arquivo pessoal

*Por Nathalia Ferrari

Avenida Paes de Barros, 1340. No coração da Mooca, em frente à deliciosa Padaria Monte Líbano. No décimo terceiro andar, o radinho estava sempre ligado, no volume mais alto. Osmar Santos narra um jogo de futebol. O som, que vem do banheiro, ecoa por todo o apartamento, que não era exatamente grande. Tinha uns 80 ou 90 metros quadrados, dois quartos, sala, cozinha e uma lavanderia que dava para conversar com a vizinha pela janela. Ainda éramos só três, mas meu irmão não demoraria a nascer.

A vida era simples no início da década de 90. Tínhamos uma vida confortável. Não tínhamos coletado grandes traumas neste ponto. Todos estavam bem, com saúde. Sobre a parte Ferrari que sempre foi mais próxima de mim, até meus bisavôs eram vivos. Uma família majoritariamente corintiana. Quase uma unanimidade. Tinha um ou dois são-paulinos, mas todo o resto? Corinthians. O nome de batismo do meu avô: Ferrucio Ferrari Netto. E mesmo assim, corintiano.

Os gritos de “Animal” de Osmar Santos passaram a fazer parte do meu vocabulário, por volta dos três anos de idade. Chegaram a colocar uma camisa do Corinthians quando eu ainda não podia rejeitar. E eu encantada com Osmar no rádio e Evair, de braços abertos, na televisão.

A final do Paulista de 93, lembro de ter visto sentada no sofá da sala, ao lado do meu pai, Aurélio. Ele vestia sua camisa, aquela que tinha “Kalunga” em escritas garrafais. E o Palmeiras, verde e branco vencia de goleada. Campeão! E eu comemorei!

Eles achavam que era coisa de criança, que logo ia passar. Deve ser pela cor da camisa, que chama atenção. Ou a culpa é daquela vaquinha verde de pano que tem ao lado do berço. Ou ainda, pelo entusiasmo de Osmar Santos narrando os gols e lances do Edmundo. Até que virou febre, literalmente.

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Numa noite qualquer, depois de atingir 38 graus de temperatura, minha mãe, Solange, resolveu interceder: “Aurelio, leve ela agora na loja e compre uma camisa do Palmeiras!”

“Eu quero a camisa do Animal”, disse ao vendedor da extinta Estação do Esporte, que ficava na Rua Juventus.

Meu pai disse que não tinha coragem de dizer o que eu queria, portanto deixou que eu mesma falasse.

Aliás, quando eu comecei a falar? Reza a lenda que aos seis ou sete meses, mas a veracidade disso vocês precisarão confirmar com a minha mãe.

Passou a febre. Começou uma paixão que me acompanha até hoje. Apesar das inúmeras propostas para virar casaca. Você diria não para uma caixa de Kinder Ovo? Eu disse. Você rejeitaria a fortuna de dez reais para gastar na cantina do Colégio São Judas? Eu rejeitei.

Chorei com o primeiro rebaixamento, aguentei todo tipo de piada e provocação. Ri muitas vezes graças ao São Marcos de Palestra Itália. Fiz cara feia todas as vezes que me obrigaram a almoçar no Parque São Jorge. Fiquei emocionada quando vi o Allianz Parque pela primeira vez. Nunca cedi. Nem por um segundo.

Conheci o antigo Palestra perto dos meus 15 anos e a família toda foi junto, inclusive o conformado pai corintiano. Neste ponto, fazíamos tudo juntos. Íamos a todo e qualquer jogo de futebol. Ainda é assim. Copa do Mundo, Copa América, Juventus na Javari… o que tiver! Mas naquele Palmeiras 2 X 1 Santo André, nosso hino subiu e ouvi da minha mãe que ela também era palmeirense.

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Depois de uma infância toda sendo a única, ela descobriu que o Palmeiras também a deixava arrepiada. Desde 2016, ela me acompanha no Allianz Parque, em todos os jogos, no Gol Norte. Passei o amor pelo Palmeiras para a minha mãe.

Meu avô sempre perguntava: “quem fez ela ser palmeirense?”. “Será que foi o tio Waldemar?” Não, a convivência era muito pequena. “Foi na escolinha?” Também não, eu era sempre a única palmeirense na sala. Foi Evair, como tive a oportunidade de dizer pessoalmente.

Foi Edmundo, o Animal, que um dia, vou dizer! Foi o gênio do rádio, Osmar Santos! As cores! Foi o Palestra Itália!

Domingo não tem bom dia. É cara fechada. Dois para cada lado. Sem risadinhas.

Há mais de uma década, dividimos a predileção por José Silvério e a Rádio Bandeirantes. E a tevê ligada, tudo ao mesmo tempo.

Não sei se veremos juntos ou se irei até a Caraíbas. Ainda residimos na Mooca, numa travessa da Paes de Barros.

E foi meu pai que me ensinou a amar o futebol.

Somos rivais, daqueles que batem boca para defender o seu lado.

Quando quero deixá-lo louco, digo que Sérgio foi melhor goleiro do que Ronaldo.

E se meu irmão Victor entra na discussão, aí é que pega fogo!

Mas quando acaba, torcemos um pelo outro, como deve ser.

Não é só futebol. É resistência. É família. É história.