El Cid, o campeador do campo dos sonhos dos outros

Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento (CIDs) são papéis públicos para pagar IPTU e ISS que podem ser mais privados que sociais. Ainda que atendendo e atingindo um enorme público pagante e não-pagante como o do Corinthians.

Os CIDs para desenvolverem a região de Itaquera são mais do que bem-vindos. E existem desde 2004. Desde que não sirvam apenas para pagar as impagáveis contas da Arena Corinthians. Subsídios para construir o estádio paulistano para a Copa-14 eram compreensíveis. Geravam empregos e riquezas. Mas tantos quanto os 420 milhões acordados?

Só agora tem gente abrindo os olhos para as contas que não fecham. E ainda tem mais 45 milhões arrumados pela Câmara Municipal no presente natalino para o orçamento de 2018. O prefeito João Dória ao menos deu um jeito de não ser o total absurdo de 350 milhões pedidos pelo vereador primo de candidato à presidência do clube. Como explica o colega Rodrigo Capello, não é um dinheiro a mais além daquela bola. É parte daquela dinheirama enfiada nas contas do ano. Não foi criado um novo pólo indutor como foi o estádio. Ele já está lá. Concluído. Não pago. E isso não pode ser motivo para novo subsídio que beira à subvenção.

Deu-se um jeito. Não um desconto.

Os clubes de futebol são patrimônio das cidades. Compreende-se. Mas não podem ser assim tão especiais. O Trio de Ferro já ganhou as áreas especiais para tocar seus CTs. Em condições ainda mais especiais na Barra Funda (São Paulo e Palmeiras), e no Parque Ecológico (Corinthians). Benesses não necessariamente para o bem comum dos cidadãos. As contrapartidas quase nunca são realizadas. Como o parque público prometido pelo São Paulo quando ganhou da empresa Aricanduva a área do clube e do estádio do Morumbi, em 1952.

Itaquera já era um presente ao Corinthians desde a concessão por 90 anos da área em 10 de novembro de 1978. O prefeito biônico Olavo Setúbal cedeu em solenidade com o governador Paulo Egídio Martins e o presidente-general Ernesto Geisel um terreno de 197 mil metros quadrados para a construção (até no máximo 1984) do “maior estádio do mundo”, nas palavras do presidente corintiano Vicente Matheus. “Maior do que o Maracanã”. Com mais de 200 mil pessoas, então.

O Coringão (não havia naming rights, na época).

Ícaro de Castro Melo assinou o projeto. “Com 1 bilhão de cruzeiros se constrói qualquer pontezinha hoje”.

A venda de 1.500 camarotes para até 20 pessoas garantiriam o dinheiro para a obra, achava o arquiteto. O estacionamento teria espaço para 20 mil carros. Mais o metrô que logo chegaria ao bairro.

Até um telão estava projetado na bela maquete apresentada ao presidente da ditadura militar. Geisel ficou maravilhado.

O futuro governador Paulo Maluf, também. Ainda mais com o discurso lido – mas não escrito – por Matheus:

⁃ Os corintianos de todo o Brasil responderão “presente” ao gigantesco desafio que lhes é lançado para a edificação da sua casa. À semelhança como respondeu toda a Nação ao chamamento da Revolução de 64, para a edificação da grande Pátria brasileira, rumo aos seus destinos de potência mundial!

Não ficou pronto até “no máximo” 1984, como divulgou a imprensa apaixonada, num cálculo otimista. Só ficaria pronto em 2014. Em tempo recorde. Com outros agentes. Dinheiros. Embora muitos do mesmo caixa.

Como outras maquetes paulistanas não saíram dos coquetéis. O Palestra Italia coberto em 1996. O Projeto Morumbi 2000 lançado em 1997. Todos ousados. Inventivos tanto quanto queriam incentivos públicos e motivações privadas. Lindos como o da Hicks Muse para o Corinthians na Raposo Tavares, em 2000. Projetos que não saíram do papel. Até por não ter papéis que hoje tentam pagar o papelão alheio e apagar o fogo eterno.

Todos apenas maquetes. Alguns por motivos mequetrefes. Muitos por falta de dinheiro privado. Ou de uma parceria pública tão boa quanto tem sido a do Corinthians em Itaquera. Desde 1978.

Poderia ter sido antes o sonho de casa própria corintiana. Antes de erguer o Allianz Parque com e para o Palmeiras em 2014, a WTorre tinha quase tudo certo com o Corinthians para fazer um novo estádio na Zona Sul. Mas Alberto Dualib, às turras e torrando tudo com a MSI, acabou roendo a corda e o acordo. A construtora se acertou com o Palmeiras Embora há dez anos eles se desentendam.

Agora é outra história na Zona Leste. Na mesma geografia de Itaquera que precisa dos CIDs. Mais do que o Corinthians. Como cidadão, topo negócio. Como palmeirense, também topo. Desde que os certificados ajudem a região. E não quem lá chegou na canetada em 1978 de um governo autoritário querendo voto. E não apenas depois para viabilizar mais um estádio no Mundial da Fifa em 2014. Mais do que a nova e bela casa própria corintiana.

Pela inflação, o que eram 420 milhões de reais em CIDs já viraram mais de 470. Essa isenção de impostos na prática ajudou a pagar as contas impagáveis da Arena Corinthians. E ela sobra para o povo. Não o alvinegro. De todas as cores.

Até agora, foram vendidos pouco mais de 42 milhões de reais em CIDs. Um ótimo dinheiro. Ainda insuficiente para cobrir o rombo. Mas melhor que qualquer outro incentivo já recebido pelo São Paulo e Palmeiras (que comprou o Parque Antarctica em 1920 com recursos de parceiros privados e construiu o Allianz Parque com dinheiro privado do parceiro).

Topo o negócio dos CIDs. Desde que desenvolvam mesmo Itaquera. E não sejam apenas mais um jeito de quem deve não pagar as contas que sobram para todos os cidadãos.