JG e Tutu: ‘Peixinho do Rei Rústico’

Há dois meses, Rony tentou peixinho em bola rasteira e perdeu gol inacreditável. Ontem, acertou peixinho e igualou Pelé

Há dois meses, Rony beijou o chão ao tentar um peixinho em bola quase rasteira e perdeu um dos gols mais inacreditáveis que já vi. Ontem, acertou esse mesmo peixinho para abrir o placar em mais uma noite de Copa. Rotina.

Com o gol, reassumiu a ponta isolada da artilharia histórica do Palmeiras na competição que ele aprendeu a chamar de sua. Essa mesma competição que o libertou de longo jejum no início da trajetória no Verde.

A história do atacante na Libertadores é digna de Pelé, que tem o mesmo número de gols e títulos, e ainda menos assistências. Assistir Rony em noites latino-americanas é certeza de rede balançando. Às vezes, ela balança pelo lado de fora. Em outras, balança sem valer. Mas alguma hora pinta notificação.

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E os telefones palmeirenses nem sempre são muito carinhosos com ele. Impacientes, como o próprio Rony em campo, muitas vezes, nos deixamos levar pelo furor do momento. Exageramos e nem sempre reconhecemos. Ele merece mais reconhecimento. Pode até faltar algum talento, mas nunca questione(mos) seu empenho.

Foi fustigado por vestir a camisa 10. Hoje, é o camisa 10 mais produtivo e preservado fisicamente (!) dos últimos tempos. Pode seu estilo de jogo estar longe da simbologia do número, mas ele honra e muito a grandeza da dezena palmeirense. Talvez tenham sobrados pretendentes mais abençoados com técnica à sagrada de Ademir, mas quem a tomou tem mais sangue nos olhos, mesmo.

Parece-me e ele demonstra, a cada jogo mais, ser inquestionável o seu tamanho no clube. E não só por campo e bola. Por trabalhar calado mesmo com barulho à sua volta. Por entregar o que pode e, às vezes, até o que pensamos não poder.

Rony não é o melhor atacante que eu já vi jogar pelo Palmeiras. Sim, eu já fui rústico nas palavras por conta de alguns gols perdidos por ele. Mas é, justamente, aquele que mais calou minha boca e poupou essas palavras.

Rony é resumo do palmeirense, só que calado. Rony explode em campo, trabalhando sem fim, correndo sem ter perna, como as que o fizeram bicampeão da América, mancando. Rony se irrita, como nós, erra, como nós, falha, como nós, mas só tenta responder trabalhando. Ele faz questão de mostrar que linhas e atacantes têm de ser de raça.

Ele é a prova que conceitos podem mudar. Academias de Futebol sempre remeteram ao futebol de pura galhardia, beleza extrema, e conquista. A nova versão, que está sob nossos olhos, é mais esforço, mais suor e luta. Talvez não tenhamos crescido admirando esse novo modelo, e por isso o 10 foi apelidado de bagre. Inclusive por mim, em certa crise fúria. Palmeirense, afinal.

Aprendi, em noites de Copa, que era possível ser elegante mesmo Rústico. Era possível vencer a América mesmo mergulhando com a boca contra a grama, mesmo errando os impossíveis e chegando às redes nos mais importantes. Rony é uma lição. E um campeão.

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