Campeão brasileiro de 2006 com o São Paulo, vice-campeão da Copa Libertadores de 2007 com o Grêmio e jogador do Hertha Berlim, da Alemanha, por três temporadas. Esse é um resumo da carreira do lateral-esquerdo Lúcio Carlos Cajueiro de Souza, mais conhecido no mundo da bola como Lúcio. Atualmente com 38 anos, ele segue na ativa. Defende o Taboão da Serra, de São Paulo, e se prepara para disputar a Copa Paulista, neste segundo semestre.
Por conta da idade, Lúcio sabe que a hora de dar entrada na papelada e pedir a aposentadoria está chegando. Mas ele não tem problemas para falar disso. Aliás, já faz até contas. Quer jogar por mais dois anos e dar início a uma nova fase de sua vida: a de treinador.
Como técnico, Lúcio poderá passar todas as experiências que viveu dentro do futebol. As boas e as más. A propósito, várias foram as dificuldades do lateral ao longo das quatro temporadas (de 2003 a 2007) em que atuou por um Palmeiras politicamente desastroso.
Dentro do antigo Palestra Itália, Lúcio comeu o pão que o diabo amassou. Ou como o mesmo costuma dizer, fez várias viagens semanais entre o céu e o inferno.
Perseguido por uma torcida com a autoestima enterrada há sete palmos abaixo da terra, ele viu o seu nome virar o principal sinônimo do adjetivo vagabundo nos dicionários da língua portuguesa. De quebra, foi eleito por esses mesmos torcedores como ‘o pior lateral do mundo’.
Apesar de tudo, afirma: “Eu só tenho a agradecer ao Palmeiras. Até chegar na Alemanha, o Palmeiras foi o primeiro clube a acreditar em mim. Ali, quando me contrataram, eles (os diretores) deram um tiro no escuro, porque eu nunca tinha atuado em um time grande. Então, não tenho razão nenhuma para ter mágoa”.
APRESENTAÇÃO NO PALMEIRAS
Na época com 24 anos, Lúcio recorda que as dificuldades no novo clube começaram já no primeiro dia de trabalho. “Depois de assinarmos tudo, ficou acertado que a minha apresentação, junto com a do Elson (ex-Ituano), aconteceria numa quinta-feira de manhã. O problema é que na quarta-feira a noite, o Palmeiras recebeu o Vitória pela Copa do Brasil e tomou de 7 a 2”, recorda.
“Por volta da meia-noite e meia, já estava preparado para dormir quando o meu telefone tocou. Do outro lado da linha, um dos assessores do Palmeiras dizendo que ia cancelar. Tomei um susto. Achei que tinham desistido de mim. Fiquei nervoso, mas ele explicou que era só a apresentação. Mesmo assim não quis saber. Bati o pé e o convenci a não cancelar nada. Foi assim que cheguei no Palmeiras”, acrescenta.
A turbulência inicial serviu como primeira experiência para lidar com as crises de um time grande. As semanas foram passando e aos poucos Lúcio foi se adaptando, caindo no gosto do técnico Jair Picerni e transformando-se em importante peça para recolocar o Palmeiras na elite do futebol nacional.
“Aquele primeiro ano foi de descobertas. Depois de chegar assustado de um clube do interior, consegui, com muito apoio do Marcos e do Sérgio, virar um dos destaques na lateral-esquerda”, diz o jogador.
Contudo, esse pequeno sucesso o fez cair na armadilha do deslumbramento. Já em 2004, ainda sem ter exata noção das consequências que as suas entrevistas e brincadeiras como jogador de time grande podiam causar, Lúcio se perdeu pela boca.
“Tudo que eu falava tinha vários significados. As mesmas brincadeiras que fazia em entrevistas enquanto jogador do Ituano, viravam polêmicas como lateral do Palmeiras. Aí eu queria me explicar, só que as coisas só pioravam. Isso me prejudicou tanto que um dia os assessores de imprensa do Clube me chamaram e falaram: ‘Lúcio, daqui pra frente você não fala mais nada. As suas explicações estão ficando pior do que as brincadeiras’. Então, dei uma segurada”.
QUARTO MELHOR DO MUNDO
Porém, o maior erro daquele jovem lateral, apelidado de Maldini do Sertão, ainda
estava por vir. Convidado por Jorge Kajuru, que na época tinha um programa de esportes na Rede Bandeirantes, Lúcio embarcou na conversa do apresentador e concordou quando o jornalista o classificou como o quarto melhor lateral do mundo em atividade. Atrás apenas de Roberto Carlos, do Real Madrid, Serginho, do Milan, e Léo, do Santos.
A partir de então, para azar do atleta, o Palmeiras voltou a patinar dentro de campo, e ele, por conta das declarações, tornou-se alvo incansável da torcida, a ponto do cântico “Lúcio, vagabundo, é o pior lateral do mundo” virar o hit mais cantado em todas os jogos do time.
Mais uma vez o apoio de Marcos foi essencial para aquele jovem, natural de Olinda, em Pernambuco. Quando a perseguição das arquibancadas estava no auge, o Palmeiras recebeu o Fluminense em compromisso válido pelo Campeonato Brasileiro. Apesar dos altos e baixos da equipe, os torcedores, assim como fazem até hoje, cantavam o nome de todos atletas. O único que não tinha o nome entoado era o então camisa 6.
“Naquele dia, quando estávamos no túnel, já para subir ao gramado, o Marcos reuniu todo mundo e disse: ‘Lúcio, se você quiser, não precisa subir. Você tem certeza de que quer jogar?’ Olhei para ele e falei que sim. Na mesma hora, o Marcos retomou a palavra e avisou: ‘O Lúcio era o único que podia pular desse barco hoje. Mas não, o cara vai subir. Se algum de nós chegar lá em cima e não correr, aí a história vai ficar ruim aqui dentro’. Depois daquelas palavras, nós jogamos demais e vencemos a partida”, conta.
“No final, a torcida até cantou o meu nome, e o Marcos, ainda em campo, apertou a minha mão e disse: ‘Parabéns, Lúcio. Você tem muita personalidade. Eu no seu lugar não teria subido, não’. Ouvir isso de um cara como ele, pentacampeão, não tem preço pra mim”, completa o lateral.
DEPOIS DA TEMPESTADE…
Em 2005, Lúcio seguiu vivendo entre o céu e o inferno dentro do Palmeiras. Fez parte do grupo que terminou o Campeonato Brasileiro em quarto lugar, mas, devido ao desgaste com os torcedores, foi liberado no fim do ano por empréstimo ao São Paulo. Na equipe do Morumbi, sagrou-se campeão Brasileiro de 2006, como reserva de Júnior.
“Quando retornei do empréstimo, em janeiro de 2007, o técnico do Palmeiras já era o Tite. Voltei já sabendo da proposta do Grêmio. Ele brincou perguntando se era verdade que eu não queria trabalhar com ele. Disse que não era isso. Só queria dar uma rodada. Ele entendeu o meu lado e me liberou. Em Porto Alegre, fui muito bem recebido e consegui jogar o meu futebol. Fomos vice-campeões da Libertadores, e acabei negociado com o Hertha”.
No futebol alemão, Lúcio sofreu com seguidas lesões. Ainda assim, viveu um dos melhores momentos da carreira. Tanto que esteve muito perto de ser convocado para a Seleção Brasileira do técnico Dunga.
“Digo isso porque o Gilberto (lateral-esquerdo) estava sendo convocado frequentemente, mas teve uma lesão perto de um amistoso. Nós jogávamos juntos na Alemanha. Num determinado dia, ele me chamou de canto e pediu para ficar esperto, porque teria convocação e ia pintar coisa boa para mim. Não sei se perguntaram algo para ele ao meu respeito. Infelizmente, isso não acabou acontecendo, mas tudo bem. Não sou frustrado por não ter chegado à Seleção. Seria importante ter uma convocação no currículo, mas não tem problema”.
PLANOS COMO TÉCNICO
Já com a carteira de treinador da Federação Paulista de Futebol (FPF) nas mãos, Lúcio revela que seu estilo de trabalho será um misto de tudo que aprendeu com Renato Gaúcho, com quem trabalhou no Grêmio, e Jair Picerni. Fazer cursos na Europa é algo que está fora dos seus planos. Segundo o jogador, bom treinador tem que elaborar a sua própria forma de trabalho.
“Se quero o meu time com posse de bola, não adianta passar um dia inteiro treinando bola parada. Tem vários treinadores que não fazem isso (elaboram forma de trabalho). Preferem ir para a Europa fazer selfie na frente do estádio do Tottenham, por exemplo, e depois postar na internet dizendo que está atualizado. Ou então, ficar copiando treino de videos no Youtube. Do que isso adianta?” questiona ele.
“Para mim, mais importante é saber enxergar as melhores características dos jogadores que tem à disposição e ter a humildade de ouvi-los. Principalmente diante de uma insatisfação e de um problema pessoal. É assim que pretendo trabalhar como treinador”, acrescenta.
Questionado se está nos seus planos treinar o Palmeiras, Lúcio é muito claro. “Jamais recusaria. Trata-se de um grande time. Mas não é um sonho. O meu sonho como treinador é comandar o Grêmio, por conta de todo o apoio que os torcedores gremistas me deram desde o primeiro momento em que cheguei lá. Além disso, foi o clube com a qual mais me identifiquei”, finaliza o ainda atleta e futuro técnico.