O Palmeiras faz chover
Atire o primeiro Kichute encharcado quem não amava jogar bola na chuva. Tire da carteira sua carteirinha de sócio-torcedor quem não tem lindas e aguadas histórias de jogos sob tormenta para lembrar.
Em 28 de janeiro de 1951, o Paulista do Ano Santo de 1950 foi conquistado no Pacaembu no célebre Jogo da Lama, em arrancada sensacional do Verdão em busca de título que parecia perdido. O Choque-Rei da foto do Jair Rosa Pinto pilhando o Palmeiras na conquista do estadual contra o São Paulo. Título que nos deu o direito de jogar e ganhar a Copa Rio de 1951. O gol de empate e do campeonato foi de Aquiles, em grande lance de Jair. Aos 15 do segundo tempo, Jajá driblou as poças do Pacaembu depois de receber de Rodrigues Tatu e bolou o lance que o goleiro Mário não conseguiu segurar. A bola ficou próxima a ele, parada na poça e na lama. Mas distante o suficiente para a flecha Achilles chegar primeiro e inundar a rede adversária. Gol da lama e de grama, gol da poça e do Palmeiras, da raça e da graça do Jair verde.
A chuva valeu caneco em 1951. E já vi virar jogo em 1983. Noite de sábado com 47 mil palmeirenses no Morumbi para ver a estreia de Batista com a camisa 5. Volante do Grêmio e do Brasil em 1978 e 1982. Primeiro tempo igual e sem gols contra o Bahia. Até um temporal fazer a arquibancada virar mar. E a torcida esquentar vibrando e cantando para fugir da água fria. Foram 15 minutos de “Palmeiras” pulando e pulsando. Suficientes para, em 19 minutos de segundo tempo, o Palmeiras de Rubens Minelli marcar quatro gols. O primeiro com o nosso maior zagueiro – Luís Pereira. O segundo com um craque sonado que acordou com o grito somado – Enéas. Mais dois de Seixas. Mas foram mesmo quatro pela torcida que esquentou o jogo amarrado pela tromba d’água no Morumbi.
(Os gols de 1983 você vê abaixo).
Chuva que nos deu goleada em 1983, chuva que nos atrapalhou na derrota para o XV de Jaú, em 1985. Era só ganhar no Palestra para se classificar para a semifinal do Paulista. O Corinthians perdera jogo imperdível na manhã daquele domingo contra o Comercial, em Ribeirão Prato. O Palmeiras desenganado passou a depender apenas dele, à tarde, no Palestra. Eu ainda consegui ingresso. Mais de 30 mil não precisaram dele. O estádio foi tomado por uma torcida que o invadiu sem tíquete em um dos maiores públicos da história. Não computado. Muito menos processado pela tempestade que caiu sobre nossas cabeças e sobre nosso time.
(Trecho do documentário 12 DE JUNHO DE 93 – O DIA DA PAIXÃO PALMEIRENSE, dirigido por Jaime Queiroz e Mauro Beting).
Perdemos de virada por 3 a 2. No apito final já com algum sol, oficialmente passamos a viver então a maior fila de títulos do clube (que perduraria até 1993). Ninguém processou o clube pela chuva, pelo time, pela derrota, pela fila, pelo ingresso não cobrado, pelo estádio invadido. Eu fiquei meia hora olhando o gol da piscina debaixo do placar eletrônico (atual Gol Norte). Na mesma pose em que o goleiro reserva Martorelli ficou no banco.
Olhávamos para o infinito. Ou pior: para o inferno.
Dizem que choveu. E não foi pouco. Mas juro. Debaixo do placar, não lembro ter ficado ensopado como fiquei. Não lembro como meus amigos voltaram para casa encharcados pela enxurrada que nos levou. Não lembro um pingo de chuva. Só as lágrimas secas da derrota absurda.
Lembro sempre como ganhamos na água e na marra o jogo do Bahia em 1983. Como a mágoa e o barro do XV de Jaú não seca depois de 32 anos.
E mesmo defendendo o direito do cliente ao lugar marcado e não molhado no Allianz, como já publiquei a respeito em texto anterior, ainda vou lembrar com mais gosto os desgostos do cimento por vezes amaldiçoado do velho Palestra. O cheiro da casca do amendoim molhado na imagem do amigo Rodrigo Barneschi na nossa casa. As galochas do Bindi, as chagas do Iamin, os chatos de galocha das arenas e dos Parques.
Não quero ficar molhado pagando tão caro. Mas não tem preço misturar as lágrimas de chuva com aquela rede estufada pelo Evair no Derby de 1992, levantando cortina de água quando beijou a rede lateral, no gol da vitória de falta.
(O gol de Evair no SP-93).
Aquele gol da lama que nunca vimos e sempre ouvimos em 1951.
Todos aqueles jogos em que aprendemos como ser o que somos na chuva e no barro. Não nas barras e nos berros dos tribunais.
Deixa chover, Palmeiras.