Torcedores molhados, coração seco

*Por Leandro Iamin

O estádio do Palmeiras foi reformado no começo dos anos 60. A marca arquitetônica dele passava a ser a elevação do gramado em relação ao solo. O “jardim suspenso”, solução encontrada para combater as tempestades e os alagamentos da região, que agora não atingiriam mais o gramado e a arquibancada. Os alagamentos em salões, vestiários, salas sociais e espaços da fineza alviverde continuaram de tempos em tempos. Esta cidade doente não tem nenhum plano para resolver nenhum problema, e cada um que se vire.

Choveu demais neste dia de Palmeiras x Santos, e muito Instagram fez miséria com fotos da espessa cortina cinza de água – jogo no fim da tarde, aquele lusco-fusco, a fotografia ficava bonita, mesmo. O gramado estava ruim de um lado, péssimo do outro, desde que o estádio foi inaugurado que o gramado é um problema, mas a chuva foi tanta que, neste dia, todo mundo até entendeu. Os times entraram em campo sob a recuperação de um blecaute que aconteceu minutos antes da hora do jogo. Um blecaute, presumo, causado pela chuva.

Quiseram uma Copa do Mundo no Brasil. Fizeram uma revolução de concreto e plástico, cuja narrativa envolvia a interdição, estética inclusive, do direito a sentir saudade e ter preferência pelo estádio tal qual ele era antes da reforma – muito mais bonito, como árvores sempre serão mais bonitas que placas de aço. Daí eu era o chato. E para combater o chato, o argumento da chuva era sempre o primeiro. “Agora não tomamos chuva”. O celular e a cueca e a calcinha e as meias não molham. O modelo de arenas no Brasil fracassou de forma retumbante, mas estamos todos secos.

O futebol brasileiro quis para si estas pessoas, não outras. Mais que isso, quis que estas pessoas se sentissem exatamente assim, poderosas, não pelo pertencimento que faz alguém pegar um balde e ajudar a escoar água (vi isso no estádio antigo), mas pela retaguarda de cliente com direitos mil nas letras miúdas. Corriqueiro como o vento na fuça, a chuva em um estádio é um monumento ao imprevisto, e não posso cobrar que, a esta altura do campeonato, entendam isso. O sofá oferece conforto, segurança, mas é um marido entediante, tão entediante que partem para o estádio e chamam a cadeirinha de plástico de “confortável” só para sentirem alguma emoção – e não sentem, secos que estão.

O futebol brasileiro se aproximou destas pessoas e merece mesmo ser processado por elas. As partes se merecem e quiseram estar juntas. Mais um pequeno prazer para os chatos que, de uma hora pra outra, viraram figuras cujo comportamento não é mais aceitável – e a chuva sempre foi uma oportunidade extra de pressionar, fazer barulho, empurrar o time, enfim. Palmeiras 2×2 Rio Branco, 1993, ou 1994, sei lá, tanta chuva, mas tanta chuva, que o boné verde que eu, criança, usava, pingava gotas verdes pela aba, desbotando ao longo do jogo. Deveria ter processado meu tio.

Ah, este foi o jogo que nos tirou da briga pelo título. E o Zé Roberto saiu no intervalo, após outra demonstração – que muita gente, entendo agora, não viu – de que já não reunia a menor condição de jogar futebol profissionalmente.