Voto é secreto

A Democracia Corinthiana fazia quem torce o nariz contra o Timão torcer pelo movimento que em 1982-83 foi muito além dos muros do Parque São Jorge. Palavra de um dos poucos entrevistados não-alvinegros do obrigatório documentário de Pedro Asbeg – DEMOCRACIA EM PRETO E BRANCO.
A importância esportiva, política, social e cultural daquele processo daquele timaço é das mais belas conquistas do futebol brasileiro. Era uma ação consentida e apoiada pela direção do clube. Em um momento de final de regime militar que o movimento corajosamente combatia, logo depois vestindo o amarelo das Diretas-Já em 1984. Sem amarelar.
(Como a direção do clube se manifestou em 2011 com uma faixa #ForçaLula levada pelos atletas para o ex-presidente que se recuperava de câncer na laringe. Lula que é torcedor fanático e conselheiro alvinegro.)
Defendo sempre a manifestação política. Seja ela de boa luta ou de péssimo luto.
Mas o proselitismo eleitoral (que é diferente do político) dentro do campo do jogo é absolutamente proibido pela regra do jogo. E precisa mesmo ser assim. Mesmo se o Divino disser que vota a favor da Madre Teresa, Dalai Lama, Gandhi e Ursinhos Carinhosos – não pode. Nenhum jogador com a camisa do clube e do patrocinador pode declarar voto em Luke Skywalker contra Imperador Palpatine.
Pode mandar "força" a quem foi esfaqueado na barbárie política que transformamos este país que discute política e torce por partidos e distorce por candidato. Dedicar um gol a ele pode. Dizer que ele será o presidente também pode.
Mas pode na mesma rede social que Felipe Melo poderia ter usado para pedir desculpas pela expulsão contra o Cerro. Na mesma que também declarou em 2017 o voto a quem dedicou o belo gol na Bahia. Na mesma em que disse que era para dar “pau nos vagabundos” que pacificamente protestavam no Dia do Trabalho.
Manifestação política não é só o pato que a gente paga na Paulista ou o mico que a gente prega em nome de QIs de ostra ou de práticas de molusco.
Manifestação política é panfletagem ética do cidadão. É um gesto de fair-play. É uma atitude corajosa. É um posicionamento firme. É a defesa do que parece certo. É o ataque ao que parece errado.
Mas a eleitoral (que não é a mesma coisa que a política) tem um foro adequado – não privilegiado.
A regra do jogo precisa coibi-la em nome de qualquer tipo de jogada.
Quem tem coragem de erguer um punho contra o racismo, o braço pela democracia, o brado contra a tortura pode ser até repreendido. Advertido. Expulso. Mas conquistou algo muito além do esporte.
Declarar voto com a camisa do meu time não pode. Mesmo se votasse para o meu candidato. E não pode não por votar em quem não voto. Não pode porque boca de urna tem que ser como boca fechada: não entra mosquito. E nem eles sobrevoam.
Voto é secreto.
A continuar assim, Tadeu Schimidt poderia criar um quadro no Fantástico na linha do pedir música quando faz três gols: quem fizer um gol pede voto para o seu candidato.
Pode falar em quem vai votar. Na rede social. Não a trabalho com a camisa do nosso clube. Se você acha um “cerceamento da liberdade de expressão” proibir um atleta de fazer campanha eleitoral para um candidato (ainda que se recuperando de uma facada) , não reclame se um professor fIzer campanha eleitoral na sala de aula.
Que fizesse Felipe Melo o que fez Lucas Moura: abriu o voto em rede social e debateu a respeito com a democracia e a tolerância que todos queremos.