Com a derrota para o Tigres, o Palmeiras deixou escapar a oportunidade de vencer seu primeiro título mundial. Ou teria sido o segundo?
De acordo com a FIFA, a competição de 1951, conhecida como Copa Rio, foi “um campeonato mundial sonhado e discutido por anos”, disputado por “grandes clubes do mundo”. Nas tribunas estava Jules Rimet. Nas arquibancadas estavam cem mil pessoas. Nos jornais estavam as reportagens.
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Parece que a nem sempre gloriosa entidade compreende agora o que muita gente compreendeu na época, quando dirigentes, jornalistas, jogadores, clubes rivais e milhares, milhões de brasileiros, uivaram a manchete de A Gazeta Esportiva: “Palmeiras, campeão do mundo!”
Sei que existem controvérsias quase teológicas a respeito, mas tudo depende de como se vê o fenômeno do futebol, e da resposta que se dá às seguintes perguntas: o futebol é dos que dele fazem parte – clubes, jogadores, torcedores, imprensa especializada – ou dos órgãos burocráticos que sugam sua vitalidade e se esforçam para acabar com ele?
A partir dos anos 60, sul-americanos e europeus disputaram o denominado interclubes ou intercontinental. Primeiro em jogos de ida e volta; depois, games no Japão. Nenhum desses embates era oficialmente organizado pela FIFA, ainda que todos comemorassem vitórias e chorassem derrotas muito oficialmente. Foi uma solicitação da Conmebol, atendida por Gianni Infantino, que pôs no papel timbrado o que aconteceu no gramado.
O imbróglio começou no infeliz ano 2000, quando uma espécie de torneio de verão “oficial”, feito à margem de critérios técnicos, jurídicos, éticos e etílicos, sagrou o Corinthians como o primeiro campeão mundial. Reparem os senhores e as senhoras: antes do ano 2000 (até a decisão de Infantino em 2017), nem Santos, nem Real Madrid, nem Ajax, nem Milan, nem Bayern, ninguém, rigorosamente ninguém, fora campeão do mundo. Se não é o bug do milênio, ignoro o que seja. Mas o que isso quer dizer?
Quer dizer que entidades burocráticas têm, na melhor das hipóteses, a obrigação de reconhecer – de direito – o que terá acontecido – de fato. Muito ajuda quem não atrapalha. A FIFA errava ao ignorar como verdadeiros campeões mundiais os times que, àquela altura, eram justamente celebrados como verdadeiros campeões mundiais por todos os envolvidos no ecossistema do ludopédio.
Rivalidade à parte, as conquistas do Santos de Pelé, do Flamengo de Zico, do Grêmio de Renato e do São Paulo de Telê valiam, valem e sempre valerão, tanto quanto as conquistas do São Paulo (2005), do Internacional (2006) e do Corinthians (em 2012, registre-se). Por que não, partindo dessa premissa, admitir que o título do Palmeiras, em 1951, ganha relevância e direito de reivindicar o histórico prestígio?
O mesmo raciocínio se ajusta à unificação dos campeonatos nacionais. Ainda que o atual Campeonato Brasileiro tenha nascido em 1971, antes dele tivemos competições nacionais vencidas por Santos, Palmeiras, Bahia, Botafogo, Cruzeiro e Fluminense. A Taça de Prata, a Taça Brasil e o Roberto Gomes Pedrosa eram os torneios nacionais da época, os campeonatos brasileiros antes do Campeonato Brasileiro. Os campeões eram campeões do Brasil.
Reconhecer isso é reconhecer que o futebol existia antes que associações e federações mudassem de nome ou CNPJ. Reconhecer isso é reconhecer que o futebol existia antes que Flamengo e Corinthians, clubes populares e com lobby midiático e político, tivessem vencido seu primeiro título nacional. Nem mesmo as mudanças de regulamento, com mais ou menos times e jogos, eliminatórias ou pontos corridos, importam para o debate, pois o atual Campeonato Brasileiro também já foi disputado com mais ou menos times e jogos, eliminatórias ou pontos corridos, além de outros suspeitos critérios (lembram da João Havelange?) muito distintos entre si.
A verdade é que, caso amanhã ou depois a CBF seja dissolvida, ou trate de cuidar somente da seleção brasileira, que Deus me leia, os clubes se juntarão em ligas independentes, participarão de torneios nacionais e internacionais. Mas o futebol não terá começado ali. O mesmo princípio vale para a FIFA, para a UEFA, para a Conmebol e quaisquer outras entidades que mais atrapalham do que ajudam, e só existem porque o futebol existe – nunca o contrário.
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