Guilherme Paladino: ‘Abelismo pelo Hendeca’

Ao torcedor que se assustou com o que viu na Ilha do Retiro: acostume-se e aprenda a gostar. Já vimos esse filme e o final pode ser bom

Confira a coluna de Guilherme Paladino para o NP: Abelismo pelo Hendeca

Com a vitória diante do Sport neste domingo, o Palmeiras chegou ao seu terceiro triunfo consecutivo no Brasileirão 2021 e encostou no topo da tabela, com 19 pontos. É a mesma numeração do vice-líder Athletico Paranaense (que tem um jogo a menos) e está duas unidades abaixo do líder Red Bull Bragantino (21), que segue destruindo gigantes.

Apesar do resultado positivo, muitos palmeirenses nas redes sociais se mostraram insatisfeitos com o desempenho do time no segundo tempo da Ilha do Retiro. A postura da equipe de Abel Ferreira foi, de fato, excessivamente cautelosa e defensiva diante de um adversário bastante limitado tecnicamente, algo que provocou sustos desnecessários no fim do jogo. Mas aqui vai um recado para você, torcedor, que não gosta disso: acostume-se e aprenda a gostar, porque não vai mudar. E posso dizer mais? Existe uma boa chance de dar certo lá no fim do ano.

Abel Ferreira não é um treinador idealista. Está longe de ser um Marcelo Bielsa, Guardiola, Quique Setién, Miguel Ángel Ramírez, entre outros tantos (excelentes) profissionais que possuem convicção absoluta em um método idealizado, estético e filosófico de jogar futebol. Abel Ferreira é da linha pragmática. Seu estilo é mais semelhante ao de Diego Simeone, José Mourinho e, claro, Luiz Felipe Scolari.

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Abel Ferreira: o sucessor de Felipão (Foto: César Greco/Palmeiras)

“O adversário é mais forte? Sem problemas, vamos entregar a bola a ele e anular suas jogadas.” “O adversário é fraco, mas o gramado é ruim? Vamos usar lançamentos longos.” “Estou ganhando e o jogo é perigoso? Vou tirar o atacante e reforçar a defesa.” “Meu jogador é fraco tecnicamente, mas obedece a tudo que peço e é importante para o sistema? Então será utilizado com frequência.”

Você pode não gostar disso. Pode preferir um treinador que sempre monte times propositivos, independentemente do adversário; que sempre busque marcar mais gols, independentemente do placar; que sempre dê preferência aos jogadores mais “técnicos” e “mágicos” em detrimento dos mais “esforçados.” E, na verdade, o futebol é um esporte tão diverso que é impossível apontar qual “estilo” é melhor. Existem virtudes e defeitos em todos os tipos de filosofias, metodologias, etc.

Mas existem alguns pontos a serem levados em conta. O principal é: o futebol brasileiro passa por turbulências causadas pela pandemia. Desde o fim de julho de 2020, o calendário voltou ainda mais apertado do que já era, o que implica em menos tempo para treinar e mais lesões. Além disso, os times jogam sem público, ou seja, não há mais a força do mando de campo de forma tão decisiva. As receitas, por sua vez, também foram impactadas, o que significa menos dinheiro em caixa e, consequentemente, menos reforços.

Isso sem contar as dificuldades naturais já provocadas pelo ambiente brasileiro, que são: o amadorismo na gestão, que cobra resultados imediatos e corta as cabeças de treinadores com poucos meses de trabalho; os gramados calamitosos; a pressão da imprensa e da torcida; as longas viagens de avião em uma mesma semana; os jogos em meio às datas-Fifa, que desfalcam os principais jogadores dos clubes por várias rodadas, etc.

Viagens longas são uma constante no futebol brasileiro (Foto: Cesar Greco/Palmeiras)

Diante disso, as condições para se desenvolver um estilo de jogo complexo são muito mais limitantes. Ter um desempenho convincente, qualificado, robusto em partidas consecutivas exige tempo para descansar, tempo para estudar adversários e tempo para treinar. Não é coincidência que os sofisticados São Paulo, de Hernán Crespo, e Grêmio, de Tiago Nunes, ambos finalistas de seus estaduais, estão na zona de rebaixamento e sofrem para se adaptarem à intensa sequência do Brasileirão. O próprio Flamengo, o “bicho papão” do país nos últimos anos, fez 12 pontos em 21 disputados e está em 10º lugar.

É óbvio que há os casos positivos de times que jogam um futebol propositivo e estão no topo da tabela, como os líderes Red Bull Bragantino e Athletico Paranaense. Mas o campeonato está no começo. É seguro apostar que vão manter tal consistência até o fim, dividindo atenções com outros torneios e sentindo cada vez mais o desgaste natural da temporada? Para ser campeão, não basta encantar no começo, é obrigatório ser regular até o fim.

Com tudo isso e muito mais em mente, Abel Ferreira não tem vergonha alguma em fazer o que faz. E daí que colunista X ou Y não gosta? Não é um jornalista dentro de uma sala confortável, com ar-condicionado ao lado e gatinho no colo, que tem o peso do destino de um clube gigante nas costas. Se Abel resolver atacar na hora errada e isso lhe custar uma derrota, um desfalque por lesão muscular ou até mesmo um campeonato, de nada vão adiantar os elogios que receberá dos idealistas da imprensa.

Foi dessa forma que Abel conquistou a Libertadores e a Copa do Brasil na pandemia. Também num contexto pandêmico, o Atlético de Madrid, de Simeone, foi mais regular do que o Barcelona e o Real Madrid e faturou o campeonato espanhol. E, fora da pandemia, Felipão e Mourinho já foram reis, ganhando praticamente todos os torneios possíveis por seus clubes. Nos pontos corridos, Felipão foi campeão brasileiro há três anos e Mourinho é o segundo técnico mais vencedor da história da Premier League (ao lado de Guardiola e Wenger), com três troféus.

Felipão, o patrono do Deca (Foto: Divulgação/Palmeiras)

Portanto, torcedor, engula a seco, acostume-se e aprenda a gostar, ou, pelo menos, entender. Dá para ter sucesso sendo diferente? Claro que dá. Mas, em um momento turbulento, Abel já fez a escolha dele, e o Palmeiras já está a dois pontos do líder, enquanto os outros gigantes estão correndo atrás.

E, em questão de dias, o português terá tempo para treinar e receberá as voltas de Weverton, Gustavo Gómez, Matías Viña, Dudu, Pedrão e, possivelmente, Matheus Fernandes…

Abelismo pelo Hendeca.

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