JG Falcade: ‘O valor e a saudade’

Lembro bem, não faz tanto tempo assim. Abri uma dessas páginas em branco e escrevi pra vocês dizendo: vamos aproveitar enquanto temos, não vai durar pra sempre. Havíamos acabado de celebrar a Copa do Brasil àquela altura. Não demorou e já estamos pautados por uma suposta crise de um time que é eminentemente vitorioso e uma suposta desconfiança do cidadão que quase equipara os números de finais disputadas com os de trabalho no comando da escuderia.

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Entre essas finais, a mais importante. Essa mesma que vocês chamaram evangelicamente de obsessão. Durante 22 anos, o palmeirense ansiou por repetir o que fez Luiz Felipe Scolari, em 1999. O que, entre tanta coisa, fez do senhor de bigode o maior comandante da história deste clube que é nosso. Ele saiu e voltou ao Palmeiras mais algumas vezes – sempre vencendo. Em times ruins, times piores e uns melhorzinhos, mas o final da jornada sempre reservava a ele uma conquista.

Até que o troféu desse as caras, a relação era (in)tensa. Brigávamos, reclamávamos, criávamos centenas de brigas e discussões, quase sempre, infundadas. O palmeirense é conspiratório, vocês sabem. No final da história, quando nos demos conta que Felipão tinha ido embora – de vez, bateu saudade. Bateu tristeza pelo modo como acabou. Por debaixo dos holofotes, sob apupos e contestações. Sem defesa por parte do clube e de boa parte da torcida. Quando o copo secou, o arrependimento surgiu. E dói.

Anos mais tarde, um gringo que em tanto se parece com Scolari, e com quem o bigodudo tem uma relação quase paternal, resolve reeditar quase tudo. Discursos inflamados, compreensão de sentimentos, brigas compradas, frases fortes, conquistas imensas. Colocou a obsessão no colo e deu de presente ao torcedor que por ela aguardou enlouquecidamente ao longo de enormes 22 anos. Entre todos, Abel e Felipão são as figuras que mais se assemelham. Das conquistas às brigas. Eles configuram presente e passado com enorme identificação.

Inclusive na relação que quer se desgastar sem razão cabível. Abel não vai ficar no Brasil e retornar depois de um frustrante 7 a 1. Ele tem o bilhete de uso único. Ele trouxe à minha geração o gostinho de ver o Felipão pela segunda vez, ao seu modo, do seu jeito, mas com o sentimento parecido. Ele ainda nem pôde ver o estádio cantar uma musiquinha careta em sua homenagem. Ele nem recebeu uns camarões, sete-barbas que fossem. Não é justo que a história se encaminhe mal – de novo.

Felipão poderia ignorar o Palmeiras, como instituição, pela maneira como foi tratado. Não precisaria mais tratar bem quem lhe tratou mal, mas ele o fez. De voz embargada, ao citar “Palmeiras” com a pronúncia alongada. Ele que descreve como casa o lugar onde está nosso coração. Nesta casa quem está hoje é Abel. Então, antes de reclamar a volta de quem já não está mais, vamos cuidar melhor de quem ainda não se foi. Cuidar não é sobre esconder erros, mas compreendê-los e não descarregar sobre o Portuga as frustrações que em nada dizem respeito a ele. Por que perder para começar a valorizar se podemos dar valor a quem ganha conosco?

Cuidar bem e dar valor antes que tudo vire apenas saudade.

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